Escargot e Taxa de Juros

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Escargot e Taxa de Juros

João Rossi Mazzoni | 01 de março de 2017 |

Foto: Lorenzo Cafaro

Recentemente, em mais uma medida esperada por parte do COPOM (Comitê de Política Monetária), houve redução da SELIC, a taxa básica de juros da economia doméstica brasileira. De 13 para 12,25% ao ano, tendo estimativas de chegar a 9,5% ao final de 2017. E, entre diversas perguntas que lotam os noticiários televisivos, jornais e mercados financeiros, destaco duas: Por que essa taxa está abaixando? E, seria o valor de 12,25% bom ou ruim?

Tais questionamentos aguçaram minha fértil imaginação, a ponto de chafurdar nos anais da história contemporânea brasileira, e achar um causo que será didático para ilustrar a analogia que tentarei fazer.

Na década de 1980, foi introduzido no Paraná, ilegalmente, um tipo de molusco, Achatinafulica (nesse texto será tratado como “substituto”), que seria um substituto barato e economicamente viável ao escargot, tradicional e cara especiaria francesa, servida e apreciada nos mais finos e renomados restaurantes franceses. Porém, o tiro saiu pela culatra, visto que a viabilidade do substituto não era tão grande quanto se esperava e o escargot continuou sendo a saída tradicional para quem buscava esse tipo de especiaria.

Os importadores do substituto, vendo seus lucros ruírem e seu plano fracassar com os estoques e criadouros cheios de caramujos agora inúteis, simplesmente descartaram o que sobrou de insumo vivo no meio-ambiente. Com tal ato, além de doenças que foram introduzidas por vetores que parasitavam o substituto, houve um completo e total desequilíbrio no ecossistema paranaense. Haja vista que todo ecossistema depende de uma interação orgânica complexa e delicada ao mesmo tempo, a introdução de uma espécie que transmitia novas doenças e não tinha predadores naturais causou problemas imensos para muitas espécies que nada tinham a ver com a loucura dos importadores clandestinos.

A realidade econômica de qualquer número de agentes se assemelha e muito a um ecossistema. Quando há uma variação coercitiva em algum aspecto, diversos setores sofrem consequências. Um aumento da quantidade de moeda na economia invariavelmente gera aumento do nível geral de preços. Richard Cantillon, brilhante economista reconhecido por muitos como o verdadeiro pai da economia (inclusive eu) propôs um efeito que levava seu nome, “Efeito Cantillon”, que dizia que um aumento da oferta monetária na economia a atinge em determinados pontos. Conforme a moeda vai sendo transacionada, os preços naturalmente vão sofrendo um aumento gradual, até que atinja um nível em que fique visível o reflexo do aumento artificial da introdução monetária inicial.

Infelizmente, Cantillon não recebe o devido crédito pela sua observação mais que atual. O controle de preços, de qualquer espécie, provou ser danoso para sistemas econômicos, países e principalmente, para a população que assiste de mãos atadas burocratas engomados alterando preços e emendas.

Mexer nos juros significa não só tornar o dinheiro mais barato, como também mais fácil seu acesso. Com dinheiro, também famosamente conhecido como “crédito” mais barato e de liquidez imediata, a tendência natural é de um aumento no consumo da população e, consequentemente, um aumento de seu endividamento.

Lembrando sempre que dinheiro não significa riqueza! Grandes quantias de dinheiro despejadas de um helicóptero em cima de uma cidade não tornará os seus habitantes mais ricos, porém simplesmente fará com que tenham crédito de liquidez mais que imediata.

O conceito de riqueza traz intrinsecamente consigo a ideia de estoque. Estoque de capital, de trabalho ou de qualquer outro insumo que seja capaz de ser transformado em renda. Alterar fluxos de caixa futuros trazidos a valor presente com um preço diferente de taxa de juros, graças a uma decisão que foi tomada com base em pesquisas econométricas que levam em suas entranhas variáveis complexas baseadas em médias populacionais parece um tanto quanto prepotente e onisciente por parte de nossos amigos do Banco Central.

Como bem disse Hayek, um dos principais nomes da Escola Austríaca de Economia, é impossível que um planejador central tenha total conhecimento das informações contidas em um determinado sistema econômico. É impossível porque o conhecimento está disperso na sociedade, fragmentado em cada um dos agentes, através de suas preferências, seus gostos e suas ações. Portanto, as decisões que levam em conta a coletividade, a chamada população, consequentemente fazem com que haja um enorme prejuízo individual na esfera econômica e social.

Visto tudo isso, é impressionante como a economia ainda é considerada e encarada como uma ciência exata. Parece que absolutamente tudo pode ser quantificável. O que é deixado de lado, especialmente pelos “engenheiros econômicos” e tomadores de decisão é que a economia, assim como qualquer ecossistema, é uma porção orgânica de agentes econômicos, que são simplesmente pessoas que agem e tomam decisões tentando melhorar sua condição.

A praxeologia de Mises, nome mais famoso da Escola Austríaca, é deixada de lado e substituída equivocadamente por fórmulas e teoremas. A proposição que rege a praxeologia misesiana é infinitamente mais simples, e serve como ponto de partida para qualquer pensamento: As pessoas agem. A partir dessas três palavras, derivam-se todas as ações e decisões que são pensadas e tomadas pelos seres humanos, e não se quantifica nada, muito menos há algum tipo de balizado por médias. Pessoas não são números. Economia não são números.

Quanto às proposições inicias, a taxa está abaixando por diversos fatores, entre eles estímulo ao consumo, como já foi abordado, questões relativas à inflação, que vem respondendo bem às medidas tomadas pelo governo, e vem apresentando quedas nas taxas registradas e previstas ( estima-se que 2017 feche com aproximadamente 4%), além de uma queda discreta na taxa de desemprego.

Sabe-se que isso é cíclico, sempre foi cíclico e continuará cíclico até o fim dos tempos, ou até que essa instável conjuntura atual seja alterada e o governo parar de controlar preços. E quanto à segunda pergunta, não tenho a menor ideia. Tenho professores que dizem que a SELIC deverá girar em torno de 4%, outros dizem que deveria permanecer próxima de 10%. E o melhor de tudo, dois dizem que a taxa de juros deveria ser livre para oscilar de acordo com as variações de oferta e demanda de um mercado financeiro livre e sem regulação estatal. Estou com esses dois.

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