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As consequências nocivas do Intervencionismo Estatal em relação ao Dirigismo Contratual

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A vigente Constituição brasileira funda-se, em teoria, em um Estado Social e Democrático de Direito. Portanto, a atuação jurídica é baseada no estatismo e no assistencialismo, e a ideologia por ela adotada é a social-democracia. No âmbito econômico, pauta-se pelo intervencionismo estatal. Essas constatações levam o direito, no que circunda os contratos, ao dirigismo contratual, sendo que por isso, a vontade dos contratantes perde sua condição de primazia em detrimento das normas de ordem pública, do interesse social, do bem comum, da justiça social, enfim, de todos esses conceitos jurídicos indeterminados e subjetivos que nem mesmo o texto constitucional define o que sejam.

O dirigismo contratual, então, significa que os contratos (acordos firmados ou trocas realizadas entre os particulares) serão dirigidos pelo Estado, no sentido de que este último é quem passa a delimitar o que pode/não pode ser contratado, como isso se dará, e quais as obrigações e direitos de cada um. Ou seja, a vontade pessoal já não existe, pois fica à mercê dos ditames das leis e das regulações, que são elaboradas por políticos e burocratas que pouco se importam com o bem comum. Sendo assim, em última instância, quem definirá o que os particulares poderão contratar é o interesse político e seus desejos ideológicos momentâneos.

O fato, que a política se nega a aceitar, é que a liberdade não é ideológica, e sim, uma condição natural do ser humano. É inerente às pessoas. Violar um direito natural, portanto, é violar a natureza humana. A face escondida por trás do dirigismo contratual, por conseguinte, é o autoritarismo. Contudo, é justamente o contrário que este promete, pois vende a ilusão de que se reveste de um ideal democrático e benevolente ao estabelecer restrições à liberdade humana e à autonomia contratual.

O processo de constitucionalização do Direito Civil

Por muito tempo, a autonomia da vontade realmente foi preservada pelo ordenamento jurídico brasileiro, grande parte por causa do Código Civil de 1916, que foi revogado pelo atual Código de 2002. Nessa época do Código de 1916, o Estado não interferia nas relações privadas. Porém, com o passar do tempo, o Estado foi engordando e expandindo suas intervenções nos diversos ramos do direito, inclusive criando outros ramos, como o Direito do Consumidor, o Direito Ambiental, o Direito Previdenciário e etc, entretanto, na esfera das relações privadas, não ousava adentrar. O Código Civil de 1916 vigorou durante 86 anos, de 1917 até 2003, sendo que o país viveu nesse período por diversas reformas constitucionais, com várias Constituições, e mesmo estas intervindo cada vez mais na vida das pessoas, não interviam nas relações privadas. Acontece que, em 1988, o Brasil promulga uma nova Carta Constitucional, que tem como pilar central o intervencionismo, e como norte a regulação da vida em sua integralidade. A partir daí, o Código Civil começa a ser questionado, no sentido de que se realmente era compatível com os desejos constitucionais, e, por óbvio, que não era, pois defendia o contrário do intervencionismo: a liberdade. Os debates dentro do Congresso começam, e o atual Código, promulgado em 2002, mas que entrou em vigor em 2003, começa a ser pensado. Foram (pasmem) 30 anos dentro do Congresso Nacional sendo debatido e estruturado, pois era nesse ramo do direito que mais residiria à intervenção estatal, portanto, deveria ser muito bem elaborado, e foi.

Hoje, as liberdades contratuais encontram-se sufocadas pela vontade estatal, e pouca autonomia os indivíduos possuem no momento de firmarem contratos, e mínima segurança jurídica de que estes serão cumpridos, em virtude de que o Poder Judiciário promove revisionismo dos contratos a seu bel prazer, revogando-os ou suprimindo cláusulas que haviam sido acordadas entre as partes, porque, segundo a lógica estatal, violam os princípios subjetivos do Código Civil e do Texto Constitucional, que cada juiz interpreta à sua maneira. Não é atoa que a insegurança jurídica reina no País.

O Direito Civil, isto é, o Direito Privado foi constitucionalizado. A Constituição define seus pontos centrais, devendo ser obedecidos. O entendimento disso é importante, na medida em que, para se mudar o Direito Privado atual, é necessário mudar antes a Constituição, pois é nesta que a lógica intervencionista está enraizada.

A (in)fundamentação apresentada pelos defensores do dirigismo contratual

Aqueles que defendem o dirigismo contratual, comumente alegam que deixar as pessoas totalmente livres para contratarem o que desejam, criar-se-ia um desequilíbrio entre as partes contratantes porque ambos iam buscar apenas satisfazer os seus desejos, e tratar os anseios do outro com indiferença. E por isso, defendem a intervenção estatal como um meio de equilibrar as necessidades de ambos, ou seja, para criar igualdade entre as partes. Essa lógica é contraditória por dois motivos, no mínimo: primeiro, porque despreza a inteligência das pessoas; e segundo, porque trata os indivíduos como crianças que estão na pré-escola e que não sabem o que de fato é bom ou ruim para si mesmos.

Como que, em sã consciência, uma pessoa irá firmar um contrato em que ela mesma percebe que será prejudicada? Não é preciso o Estado para dizer ou impedir isso, é uma questão inteligível. Sobre ambos buscarem o que é mais benéfico para si, tem-se que automaticamente as pessoas irão buscar um meio termo para equilibrar os desejos de ambas as partes, fazendo assim um contrato que seja igualmente justo. Não existe base lógica e coerente para defender intervencionismo aqui. Entre pessoas de igual discernimento, iguais direitos e iguais deveres, nasce um acordo naturalmente justo e equilibrado. A problemática que poderia surgir nesse contexto é quando a vontade de alguma das partes é viciada, ou o discernimento é prejudicado, nisso sim deve existir preocupação. Inclusive, o princípio jurídico pacta sunt servanda (do latim: os contratos devem ser cumpridos) já define que, o que se está protegendo é o cumprimento de um contrato, desde que este se forme a partir de uma liberdade consciente e com responsabilidade. Quando qualquer desvio a isso ocorrer, está-se diante de um vício, e por isso mesmo que este próprio princípio inaugura a clássica teoria dos Vícios de Consentimento. Essa teoria define que, para a validade jurídica dos contratos, a vontade deve ser manifestada de modo consciente e livre, pois é pressuposto das relações privadas. Os vícios do negócio jurídico atacam a liberdade. Sendo assim, sempre que houver violação na origem dessa manifestação de vontade, o contrato pode ser revisionado pelo Poder Judiciário. Denota-se aqui o seguinte: quando é o Judiciário que está exercendo a intervenção nessa negociação jurídica, o Estado, na verdade, está intervindo tão-só indiretamente, e é assim que deve ser. Isto é: a intervenção estatal não pode se dar na origem da contratação, entretanto, somente depois de já realizado o contrato. Isso porque, assim sendo, está (o Estado-juiz) analisando o acordo elaborado livremente pelas partes (e não mais pela vontade estatal) e constatando se existe mesmo ou não vício no consentimento precípuo que deu origem ao contrato.

Portanto, essa suposta justificativa usada de o Estado dirigir os contratos sob a tese de preservar o equilíbrio ou o bem-estar geral dos indivíduos, resulta em tratar estes como massas homogêneas e igualitárias, ferindo a pluralidade que cada individuo apresenta. É rebaixar todos os indivíduos como incapazes de discernir sobre sua própria vida e comodidade; a inteligência humana é desprezada na mesma proporção do tamanho do intervencionismo contratual.

Por derradeiro, cita-se outro argumento apresentado por aqueles que defendem o dirigismo, esse mais bem articulado, porém igualdade incoerente, qual seja: que os acordos de vontade são viciados por natureza em um regime “capitalista”, por isso, a necessidade de intervenção para corrigir a vontade viciada. Alegam isso, porque, teoricamente, a natureza do capitalismo gera um desnível entre os contratantes, uma desigualdade que modifica a compreensão de liberdade, no sentido de que as pessoas não mais são livres nesse sistema, a liberdade é mitigada pelos interesses financeiros das empresas, que por sua vez, se refletem nos interesses individuais. É uma lógica dedutiva: o capitalismo gera desigualdade nas liberdades à que modifica a estrutura social em prol dos interesses financeiros capitalistas à que modifica os interesses individuais, que passam a se moldar no raciocínio do pensamento desse sistema.

É admirável a tentativa, mas até esse argumento é revestido de imprudência. Isso porque, a base central da articulação argumentativa é incongruente: o “capitalismo” não gera desigualdade nas liberdades. A liberdade é uma só, é única. Independente do regime político adotado, a liberdade continuará sendo a mesma, na pobreza ou na riqueza. A base da tomada de decisão livre e consciente, portanto, não é um desnível de autonomia, e sim, um desnível de informação. Uma decisão livre e consciente é aquela pela qual a pessoa tem o conhecimento/a informação suficiente para o discernimento correto. Então, se a base que fundamenta a lógica desse argumento é viciada, todo o resto que se deduz é igualmente viciado.

Outro exemplo que demonstra a incoerência de tentar justificar essa lógica exposta acima é justamente o distanciamento do Brasil com o regime “capitalista”. Como mencionado no início do texto, a ideologia adotada pela Constituição foi a social-democracia, com o intervencionismo estatal como modelo econômico. Dizer, por si só, que o Brasil adotou o capitalismo já é imprudente, porque este é um modelo jurídico-politico, ou seja, engloba o Estado como um todo. O que poderia se alegar é que o modelo econômico do capitalismo foi adotado pelo Brasil, qual seja: a economia de mercado. Mas essa não foi a escolha do constituinte brasileiro de 1988 ao elaborar o texto constitucional. A sua escolha foi pelo intervencionismo, que como Mises bem explicou, é basicamente uma aberração de meio termo entre economia de mercado e economia planificada. Sendo assim, um argumento que se apoia na ideia de um desnível da liberdade gerado pelo capitalismo, ou, mais corretamente, pela economia de mercado, é derrubado no mesmo instante em que se constata que o capitalismo/economia de mercado não é praticado no Brasil; o intervencionismo que é o sistema econômico brasileiro.

Um jurista raramente vai conseguir compreender esta constatação porque não se interessa pelo que a ciência econômica tem a revelar, este se limita a uma visão jurídica do mercado e, por conseguinte, limitada.

Liberdade de contratar x Anarquismo contratual

Na doutrina jurídica, no que tange o dirigismo contratual, uma tese é amplamente levantada para tentar justificar os “perigos” da liberdade contratual, isto é, de deixar as partes livremente contratarem. Essa tese nada mais é do que uma analogia com a clássica obra de Willian Shakespeare, O Mercador de Veneza.

Na trama, publicada originalmente em 1600, dois homens fazem um contrato em que um deles empresta ao outro três mil ducados, que necessitava de tal dinheiro. Como garantia, o credor exigiu colocar no contrato por eles firmado, livre e conscientemente, que caso houvesse inadimplência, este poderia exigir a execução da obrigação com uma multa, que seria colher um pedaço de carne do outro. O homem que ganhou o empréstimo não conseguiu pagá-lo a tempo, tornando-se uma dívida e caindo na inadimplência. Como resultado, o credor exigiu, portanto, arrancar um pedaço de sua carne, como estimulado anteriormente no contrato firmado. O caso foi a julgamento, e o Tribunal de Veneza proibiu a execução da cobrança da multa deste contrato, contrariando então o suposto princípio do “pacta sunt servanda”.

Levando em consideração essa obra de Shakespeare, O Mercador de Veneza, surge o argumento de uma ala doutrinária que busca justificar o dirigismo contratual, definindo que, a liberdade contratual – que seria a ideia de poderem livremente as partes contratar, definindo os direitos e as obrigações de cada uma – e a obrigatoriedade dos contratos – nesta situação, mesmo que viole o corpo do outro homem, deve-se cumprir o contrato pela sua imperatividade diante das partes – devem ser mitigadas em detrimento dos ditames da lei e, sobretudo, dos princípios constitucionais, que se estruturam com base no primado da Dignidade da Pessoa Humana.

Essa analogia feita é, no mínimo, desarrazoada, e em ultima instância, imprudente e insensata. Isso porque, ignora a diferença entre liberdade de contratar e anarquismo contratual. O contexto pelo qual se dá a obra retrocitada é na última situação. Ou seja, está-se diante de um anarquismo contratual, que é evidenciado pela isenção absoluta do Estado nos contratos e, principalmente, nas liberdades. Acontece que, mesmo quando a lei tão-só preserva as liberdades humanas e a dignidade das pessoas no tocante às liberdades contratuais, ainda assim existe regulação mínima nos contratos de forma indireta. Isto se dá pela postulação de limites à liberdade. Liberdade não é poder fazer tudo, como acontece na obra de Shakespeare, porém, é poder fazer aquilo que não afete a liberdade do outro; este é o limite. E, bem por isso que existem limites, visto que a liberdade e a dignidade humana são inerentes aos indivíduos e independentes da ideologia estatal adotada; são direitos naturais.

Sendo assim, a argumentação dessa lógica doutrinária é viciada na medida em que interpreta de maneira equivocada o sentido real de liberdade por trás do direito à livre contratação.

Função social dos contratos como balizadora das liberdades

Como visto, o ramo do Direito Civil foi constitucionalizado, portanto, deve seguir os ditames/princípios/regras que na Constituição estejam. A principal característica da social-democracia é relativizar os direitos que ora deveriam ser absolutos. É o caso da propriedade privada, relativizada pela função social da propriedade; da liberdade de empresa, restringida pela função social da empresa; da liberdade de lucro e de competição, “corrigida” pela repressão do abuso de poder econômico; da liberdade de contratação, relativizada pela função social dos contratos e pela forçada solidariedade para com os valores sociais do trabalho e da produção; e dentre vários outros.

Em específico sobre os contratos, fala-se em reduzir as desigualdades sociais e de promover a justiça social através da Função Social dos contratos. Pois bem, tal ideia (de função social) vem sendo aplicada desde a promulgação da Constituição vigente (em 1988), ou seja, pouco mais do que três décadas (pelo menos nos contratos de consumo), e a desigualdade social, paulatinamente, só aumenta. Isto posto, tal ideal não se reveste de base lógica do ponto de vista da ciência econômica porque em nada a função social reduziu as desigualdades sociais; é uma constatação empírica. Da mesma forma, diante de uma visão filosófica/política, pode-se dizer que o resultado do dirigismo contratual é a supressão da liberdade em quebra da vontade estatal. É a ideia do paternalismo do estado, ou seja, que este sabe de forma mais acertada o que é melhor para o indivíduo, do que ele mesmo; é uma racionalidade autoritária, visto que a vontade estatal é dirigida pelos interesses político-partidários e não, de fato, pelo interesse público ou o bem comum.

O que se pretende constatar é que a “Função Social” é o meio pelo qual o estado usa para intervir nos direitos privados. É dessa maneira que a social-democracia conseguiu invadir o Direito Civil, pois vinculou este à lógica constitucional. Direito Público e Direito Privado passaram, ambos, a se submeter aos ditames do Direito Constitucional, de onde provem a matriz ideológica estatal. E, na prática, é difícil, por vezes, conseguir compreender como a função social opera. Isso porque, o texto constitucional/legal primeiro garante o direito e logo depois delimita ressalvas, como é o caso do direito de contratação: os contratos podem ser firmados livremente, porém, dentro dos limites de sua função social. Aí surge a dúvida: o que é a função social? A resposta teórica, aquela que é bonita e pertencente ao mundo mágico da lei, não será explorada aqui; a que será exposta é a resposta prática, é o que acontece no cotidiano político-jurídico: função social é aquilo que o poder político ou judiciário quer que seja. O poder político (compreendido como os poderes Executivo e Legislativo) no momento de elaboração de leis/regulamentos e sua execução. E o poder judiciário no que tange o julgamento dos conflitos contratuais. Estes poderes dão a função social o conteúdo a seu bel prazer, pode ser o bem comum, o interesse público, a justiça social, a ordem pública, enfim, todos esses termos subjetivos que melhor favorece seus interesses. Nessa estrutura, todos os direitos privados passam a ser relativizados pelo intervencionismo estatal.

Ademais, outra problemática que se acrescenta aqui é justamente a adoção, por parte da Constituição também, desses diversos conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, termos subjetivos que ampliam enfreadamente a discricionariedade política e administrativa. Quando o texto constitucional diz que é permitida a intervenção estatal nos contratos em nome da “justiça social” ou do “bem comum” – e não define objetivamente o que estes sejam, ou, define subjetivamente, porém, não prescrevendo limitadores –, na prática, o que permite, é que aquelas ideologias que convêm aos interesses políticos do momento definam o que seja/não seja a justiça social ou o bem comum. Deixa-se a porta aberta para uma gama infinita de atuações possíveis que políticos e burocratas podem assumir no poder interventor. Assim sendo, a adoção desses conceitos jurídicos indeterminados, somada com o positivismo jurídico (a lei como fonte absoluta, desprezando o Direito) enraizado na Carta Maior – em detrimento do pleno Estado de Direito –, é outra razão da atual politização de ideologias na ordem econômica e no que tange os contratos. Isso porque, em um Estado constitucional digno, se a mera letra da lei não define limitadores ao poder interventor, isto nada importaria, pois a moralidade, a razoabilidade, a proporcionalidade, a eticidade, enfim, os princípios norteadores do Estado de Direito, o assim definiram.

Consequências nocivas do dirigismo contratual

Algumas consequências já puderam ser percebidas no transcorrer do texto, porém, citam-se aqui com maior ênfase quais são os resultados nada benéficos do dirigismo contratual.

O primeiro é a politização de ideologias no que circunda os direitos, visto que passam a ser regidos por interesses ideológicos em detrimento de seu caráter essencial. Os direitos naturais, por exemplo, aqueles que são inerentes aos indivíduos, e que, portanto, devem ser respeitados, passam a ser violados por interesses político-partidários, que não possuem freios. A Constituição não prescreve limites aos poderes de intervenção, que, por sua vez, culminam na violação desenfreada desses direitos naturais a partir do intervencionismo nos contratos privados.

Para o professor André Luiz Santa Cruz Ramos (2012), que demonstrou com perfeição as  piores consequências dessa intervenção, o dirigismo contratual “manifesta-se basicamente de duas formas: (i) a edição de leis que restringem o binômio liberdade de contratar / liberdade contratual, decorrente da mitigação da autonomia da vontade, e (ii) o excessivo revisionismo judicial dos contratos, decorrente da relativização da máxima pacta sunt servanda. De um lado, os legisladores retiram das pessoas o direito de firmar livremente acordos voluntários. De outro lado, os julgadores retiram desses acordos voluntários a sua imprescindível força vinculante”.

A intromissão do estado como balizadora da autonomia da vontade ensejou, como já era de se esperar (em virtude de sua incoerência lógica e seu distanciamento para com a ciência econômica e social), na substituição da vontade originária das partes, como se o estado tivesse moralidade para recriar, a seu bel prazer e sem qualquer critério objetivo, o acordo realizado pelos particulares. O dirigismo contratual torna os contratantes vulneráveis, impotentes e escravos das consequências nocivas dos desejos do interesse político do momento, isto é, das ideologias que regem o sistema político na conjuntura momentânea. Além disso, o constante revisionismo judicial dos contratos gera a tão impiedosa instabilidade jurídica, que desestabiliza um dos principais fundamentos da existência do Estado: a segurança jurídica nas relações privadas. A sociedade precisa dessa segurança para a harmonia social, para o equilíbrio entre os poderes, para o sublime funcionamento das instituições democráticas. A segurança jurídica é o pilar estruturante da atividade jurídica de um país, violá-la é ferir o sustentáculo do Estado de Direito e seu prudente desempenho. É isso que o dirigismo conseguiu fazer no Brasil, e em qualquer lugar por onde passa: gerar constante insegurança jurídica, fomentando o caos.

Que o dirigismo contratual é o filho primogênito e preferido do intervencionismo, já é de notório saber. Agora, o que acontece no Brasil é uma situação peculiar porque o grande problema brasileiro se encontra no intervencionismo mais-do-que excessivo. Não há nada que não seja regulado pelos entes estatais. A proporção da regulação e o desenfrear do estado atingiu patamares para além da imoralidade: a intervenção econômica brasileira tornou-se arbitrária. Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário disputam entre si quem vai intervir mais na economia, ditando-a em detrimento das liberdades individuais constitucionais. O Judiciário brasileiro modifica e revoga contratos a seu bel prazer, retirando das partes integrantes das relações de consumo seus direitos de livre contratação.  O dirigismo encontra-se em um ciclo vicioso intervencionista, porque paulatinamente surge mais intervencionismo para “corrigir” os problemas causados pela intervenção anterior, e assim tem vindo até chegar a esse ponto extremo, experimentado atualmente no Brasil.

Fraser Institute em seu Relatório anual de 2018 do Ranking em Liberdade Econômica no Mundo (LEM), que foi traduzido para o Português pela Academia Liberalismo Econômico, e que se refere ao ano de 2016, classificou o Brasil, dentro dos países pesquisados, como ostentando ser, pasmem, o quarto país mais regulado economicamente do mundo. Isso explica a dimensão impensável e astronômica do dirigismo contratual no país.O dirigismo recai sobre a vida por inteiro dos indivíduos e, sobretudo, nos mercados de consumo. O entendimento acerca dos mercados perpassa a disciplina jurídica. É fundamental adotar uma visão interdisciplinar do assunto para efetivamente compreendê-lo, através da economia e da filosofia, igualmente ao lado do direito. Quando se agrupa os conhecimentos propiciados dessas três áreas, isto é, da ciência social, percebe-se que outra característica do dirigismo contratual, somada com o intervencionismo na ordem econômica como um todo, é a massificação dos bens de consumo, porque corta pela raiz a possibilidade da inovação e impede a liberdade de entrada nos mercados, justamente porque não há liberdade contratual e livre iniciativa, somente se pode fazer aquilo que a vontade estatal permitir e dentro das possibilidades em que autorizar; os contratos tornam-se padronizados pelas legislações/regulações e pela jurisprudência, todos estes providos dos desejos estatais, e não, do bem comum ou da justiça social.


Sobre o autor: Mateus Henrique Schoenherr

É acadêmico e bolsista de Iniciação Científica em Direito, pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC-RS). Pesquisador brasileiro do CNPq (Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), atuando no Grupo de Pesquisa “Constitucionalismo Contemporâneo” (http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhorh/0253847923) e em projetos científicos relacionados ao âmbito das Ciências Sociais Aplicadas. Integrante do Grupo gaúcho Fronteiras Livres, parceiro do SFLB e cuja missão é propagar as ideias de liberdade.

Este artigo não necessariamente representa a opinião do SFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected] ou [email protected]

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