O QUE NÃO SE VÊ FAZ TODA A DIFERENÇA: Como o pensamento de Bastiat pode salvar uma nação

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A crise de 1929, também conhecida como a Grande Depressão, desafortunadamente e equivocadamente serviu de justificativa para que socialistas, keynesianos e seus respectivos seguidores afirmassem aos “sete mares” que o capitalismo fracassou, que o liberalismo é o responsável pelas excessivas desigualdades sociais existentes no mundo, que a “liberdade escraviza e a lei liberta” (Lacordaire).

A retórica foi conveniente num contexto em que as ideias coletivistas cada vez mais ganhavam espaço, fazendo surgir em várias partes os regimes totalitários.

Muito embora tais regimes tenham oportunizado atrocidades inolvidáveis, parece que não ficou claro ao mundo, num momento pós-guerras, a origem filosófica das barbáries. O Estado de Bem-Estar Social surge, pois, como aparente solução dos problemas.

Num cenário latino americano, especificamente, que vislumbrou um século XX governado por alguns déspotas e de regimes militares, as Constituições Democráticas das últimas décadas seriam, supostamente, as garantias dos direitos humanos dos seus povos.

Entretanto, como lembra Iorio (2017) sobre Bastiat, “a coerção governamental só [pode] ser tida como legítima se [servir] ‘para garantir a segurança pessoal, a liberdade e os direitos de propriedade, para fazer a justiça reinar sobre todos”.

Não é bem isso que várias nações experimentam na atualidade, haja vista a reiterada e constante intervenção na propriedade privada e na liberdade individual, o que, consequentemente, implica na insegurança.

Frédéric Bastiat, ora citado, foi um “economista, legislador, pensador e escritor francês […] ardoroso defensor da propriedade privada, do livre mercado e do governo limitado” (IORIO, 2017), importante protoaustríaco que muito influenciou a Escola Austríaca de Economia. Em que pese ter vivido apenas 49 anos, Bastiat deixou um legado riquíssimo em termos de produção intelectual e de ações concretas em prol do livre mercado no continente europeu. Escrevia sobre asssuntos complexos de maneira simples e até irônica, o que demonstra uma singular personalidade.

Há de evidenciar-se que o pensamento do economista é decorrência do que já vinha pregando a escolástica tardia, que muito avançou no que toca aos temas como teoria monetária, propriedade privada, teoria do valor subjetivo, etc., destacando-se o jusnaturalismo como base para formular tais considerações. Por exemplo, segundo Bastiat (2010, p. 11): “vida, faculdades, produção — e, em outros termos, individualidade, liberdade, propriedade — eis o homem […] estes três dons de Deus precedem toda e qualquer legislação humana, e são superiores à ela”.

Assim, é totalmente contraditório aos direitos inatos do homem a ingerência estatal, tal qual se observa quando a lei se presta a perverter a ordem natural. Ou seja, pode ser que a lei seja “posta a serviço de interesses particulares, tornando-se, então, instrumento de exploração do indivíduo por parte dos que detêm o monopólio legal – os funcionários do Estado” (IORIO, 2010). 

Tomando o ordenamento jurídico brasileiro e sua correspondente realidade como paradigma, se mostra clarividente referida constatação, basta recordar quantas empresas estatais não serviram e provavelmente ainda servem aos interesses de gestores corruptos, ou ainda, precedentes judiciais nitidamente ocasionados para beneficiar pessoas específicas às custas da segurança do povo. Os exemplos são infindáveis. 

Hodiernamente, tanto no campo do Direito, quanto no da Economia, tornou-se lugar comum afirmar que o laissez faire está superado. Logo, doutrinas tais quais a Escola Austríaca não detém o espaço de importância que merecem. O que estaria “atual”, por conseguinte, seria o intervencionismo, em que pese esse fenômeno já ter comprovado os prejuízos sociais que causa com o fim de “corrigir” as “falhas de mercado”.

A população, em grande parte já inserida na lógica socialista, social democrata ou neoliberal – mesmo que involuntariamente – então passa a acatar o que lhe gera resultado a curto prazo. No entanto,

A ciência econômica deve observar e estudar não só os efeitos – benefícios e custos – imediatos ou de curto prazo, aqueles que se veem, de uma decisão econômica, mas também e principalmente deve proceder a uma análise acurada de longo prazo e as consequências das decisões sobre terceiros, os efeitos que se devem prever (IORIO, 2017). 

IORIO, 2017

Isso significa que, quando o Estado espolia, por meio de “tarifas, protecionismos, benefícios, subvenções, incentivos, imposto progressivo, instrução gratuita, garantia de empregos, de lucros, de salário mínimo, de previdência social, de instrumentos de trabalho, gratuidade de crédito, etc.” (BASTIAT, 2010, p. 21), embora aparentemente esteja sendo altruísta e bem-intencionado, a médio e a longo prazo causa um grave desarranjo.   

Bastiat, acertadamente destaca que “é bem evidente que a lei deveria ter por finalidade usar o poderoso obstáculo da força coletiva contra a funesta tendência de se preferir a espoliação ao trabalho. Ela deveria posicionar-se em favor da propriedade contra a espoliação” (2010, p. 14). Entretanto, como se depreende da realidade, é muito mais recorrente a preferência pela espoliação, de modo que a figura do burocrata, com alto salário e estabilidade é muito mais desejada que a de um empresário, que corre risco de ter perdas ao invés de lucro, ainda mais num contexto de imprevisibilidade. Não é à toa que o Brasil, ao adotar reiteradas medidas de inchaço estatal, viu-se desindustrializar, “perder” mentes brilhantes para países que mais respeitam a liberdade, assim como empobrecer. 

A visão consequencialista, pois, deve ter guarida. É necessário frisar, cada vez mais, um movimento de conscientização, para que a população e seus “representantes” entendam que os direitos custam, que não basta redigir garantias em pedaços de papel, pois o que transforma são ações concretas da realidade. 

Como Hayek (2010, p. 37) lembra, “estamos dispostos a aceitar quase todas as explicações para a presente crise da nossa civilização, exceto que ela resulte de um erro de nossa parte, e que a busca de alguns dos nossos mais caros ideais tenha produzido efeitos tão diferentes dos esperados”. A autocrítica é necessária. Quando a lei se perverte, indo além da igualdade material, quando o Estado leva a cabo burocracias que emperram o empreendedorismo, enfim, quando o Estado não se restringe à segurança pública e administração da Justiça, está enviando uma mensagem de desestímulo à determinadas ações humanas e estímulos à outras.

O economista, legislador, jurista em apreço, assevera que “na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não gera somente um efeito, mas uma série de efeitos” (BASTIAT, 2010, p. 19). Ou seja, se num primeiro momento todos parecem contemplados, ou ao menos uma maioria, é necessário evidenciar “que quando a consequência imediata é favorável, as consequências posteriores são funestas e vice-versa”. 

Nos últimos tempos parece que essa lógica tem, em alguma medida, ainda que não seja suficiente, chegado ao Judiciário. Barroso (2012, p. 30), ministro do Supremo Tribunal Federal, menciona que entre a doutrina constitucionalista, desenvolve-se a ideia do risco dos “efeitos sistêmicos” das decisões, que são imprevisíveis e indesejados, exigindo uma posição de cautela e deferência por parte do Judiciário no que tange aos impactos das suas decisões. No tocante à realidade brasileira, é possível afirmar que nos demais poderes estatais também existe esse tipo de preocupação, mas é consideravelmente ínfima em relação ao ideal.

Majestosamente Bastiat evidencia a dicotomia da intervenção e da não intervenção na esfera privada, bem como a irracionalidade de permitir que um ente fictício decida pelo indivíduo, na seguinte transcrição, ao dirigir-se ao Estado:

Você diz que eu faria melhor se seguisse uma determinada carreira, trabalhar de uma determinada maneira, usar um arado de aço em vez de um de madeira, para semear mais densamente do que espaçadamente, para comprar do Oriente, em vez de comprar do Ocidente. Eu sustento o contrário. Fiz meus cálculos; afinal de contas, eu estou mais preocupado do que você em não cometer erros em questões que vão decidir o meu próprio bem-estar, a felicidade de minha família, assuntos que dizem respeito a você somente quando tocam sua vaidade ou seus sistemas. Aconselhe-me, mas não imponha sua opinião sobre mim. Vou decidir sobre o meu perigo e risco; isto é suficiente e se a lei interfere será tirania.

Frédéric Bastiat

Assim, resta patente a exatidão das colocações do protoaustríaco em questão, mormente sua base ética, ainda que Bastiat, já caminhando para seus últimos dias de vida, tenha declarado: “O que me dá coragem é […] o pensamento de que, talvez, a minha vida possa não ter sido inútil para a humanidade”. 

Não foi inútil, ao contrário, dois séculos após sua existência, seu nome tem sido recordado com certa frequência e suas ideiais permanecem absurdamente atuais, restando, tão somente, serem colocadas em prática, a fim de que “o que não se vê”, seja então previsto por todos, de maneira a salvar os rumos de várias nações ora distantes da liberdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HAYEK, Friedrich A. O caminho da servidão. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. 
BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Thesis. vol. 5. n. 1. Rio de Janeiro, 2012. p. 23-32.
BASTIAT, Frédérich. A Lei. 3. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
Frédérich Bastiat. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. 160 p.
IORIO, Ubiratan Jorge. Dos protoaustríacos a Menger: Uma breve história das origens da Escola Austríaca de Economia. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: LVM Editora Brasil, 2017. 576 p.


Tamara Dall’ Agnol

Advogada. Especialista em Direito Civil pela UNIDERP (MS). Aluna do programa de Doutorado em Direito da UBA (Universidad de Buenos Aires). Pós-graduanda em Escola Austríaca de Economia pelo IMB (Instituto Mises Brasil). Mestranda em Direito na UFMA (Universidade Federal do Maranhão), área de concentração: Direito Privado Contemporâneo e sua aplicação pelas Instituições do Sistema de Justiça. Endereço eletrônico: [email protected]. Link para acessar o Lattes: http://lattes.cnpq.br/2680884910714561 .


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