Monopólios e cartéis: mão invisível ou mão do estado?
André Spigariol | 28 de outubro de 2013
Na economia capitalista, os preços de bens e serviços em geral são regulados segundo a oferta e a demanda. Quando a disponibilidade de um determinado produto é maior que a sua procura, seu preço tende a cair. Se o contrário acontece – muitos querendo comprar uma mercadoria com baixa oferta – o custo para adquirir tal produto tende a subir.
Nesta conta entra o peso da concorrência: quanto maior ela for, melhor para o consumidor, que terá preços menores, já que há mais produtores inflando a oferta. O problema é justamente quando há uma competição reduzida, quando poucas empresas de grande porte atuam na oferta de um bem em determinado segmento – situação de oligopólio – ou mesmo quando existe apenas um fornecedor do produto ou serviço – o monopólio.
De acordo com Gabriel Oliva, estudante do último período de Economia na Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da USP (FEA-USP) , há duas teorias diferentes para explicar o aparecimento dos monopólios. A primeira vê o surgimento deles como “uma consequência necessária da própria estrutura de alguns mercados. Argumenta-se que, quando os custos fixos [como salários, equipamentos e instalações] são elevados e os custos variáveis [como matérias-primas] são pequenos, apenas uma ou poucas empresas conseguem concorrer de forma lucrativa”.
Essa lógica se aplica a segmentos que dependem de um alto investimento para que uma empresa comece a trabalhar e competir, o que acaba diminuindo a concorrência e, sendo assim, poucas grandes corporações conseguem deter uma grande fatia do negócio.
No entanto, há outra explicação que coloca em xeque as regulações do governo para promover a competição equilibrada no comércio. “Através de lobby, empresas e profissionais podem ganhar reservas de mercado via corrupção de reguladores, licenciamento de profissões, tarifas e cotas de importação, etc”, explica Oliva.
Fenômeno antigo
Na obra “Monopólios, Cartéis e Trustes”, Hermann Levy, economista alemão do século XX, estudou o desenvolvimento econômico da Grã-Bretanha à época e identificou este fenômeno no surgimento dos monopólios industriais concentração de largos volumes da produção de mercadorias na mão de grandes empresas.
De acordo com o estudo de Levy, “as novas empresas encontram-se perante exigências cada vez mais elevadas no que diz respeito ao volume de capital necessário, e esta circunstância dificulta o seu aparecimento. Cada nova empresa que queira manter-se ao nível das empresas gigantes criadas pela concentração representa um aumento tão grande da oferta de mercadorias que a sua venda lucrativa só é possível com a condição de um aumento extraordinário da procura, pois, caso contrário, essa abundância de produtos faz baixar os preços a um nível desvantajoso para a nova fábrica”.
Segundo Fábio Barbieri, professor de microeconomia da unidade de Ribeirão Preto da FEA, grande parte dos economistas brasileiros entende situações de monopólio ou oligopólio como “falhas de mercado”, quando pessoas, atuando em regime de livre-mercado, não geram uma competição perfeita. “Nessa teoria, supõe-se existência de muitas firmas competindo via preços e livre-entrada e saída de firmas em cada segmento de negócios”, explana. “Desvios do modelo, como diferenciação de produto, fidelidade à marca, vantagens de custos advindas de ser o primeiro no negócio, aprendizado prévio, entre outras barreiras à entrada impedem a competição”, completa o especialista.
O professor, no entanto, rema contra a maré de economistas do Brasil que pensam desta forma. Ao invés de barreiras, ele enxerga algumas ações como naturalmente competitivas. “Devemos olhar o filme, não apenas a fotografia. Uma alta concentração em um setor (poucas firmas) não é necessariamente sinal de falta de competição, mas pode ser uma foto que revela um filme altamente competitivo”, acrescenta.
Barbieri defende que os cartéis e monopólios de grande importância são o resultado de ações governamentais que deveriam promover a competição. Para ele, essas medidas “resultam na proteção das firmas já estabelecidas”. “As barreiras legais à entrada são mais significativas. Protecionismo comercial, por exemplo, impede a concorrência de forma muito mais danosa. Legislações regulatórias que obrigam novas firmas a adotar padrões de produção das firmas, por exemplo, garantem a proteção contra inovação e concorrência”.
Defensor do liberalismo, Gabriel Oliva opina que mesmo em situações onde a entrada de um novo concorrente no mercado precise de um grande investimento, o melhor que o Estado pode fazer é não fazer nada, retirando o máximo de barreiras legais para a entrada de novas empresas. Ainda em um cenário onde só exista uma empresa, “a concorrência potencial de novos entrantes exerce certa disciplina sobre a empresa, que não poderá simplesmente fazer o que bem entender”, sustenta.
Para Oliva, a intervenção do governo por meio de órgãos reguladores dificulta a adaptação de novas produtoras à legislação do setor. Além disso, há o risco de as corporações já estabelecidas formarem lobby com os agentes públicos “para restringir ainda mais a concorrência no mesmo, beneficiando às empresas em detrimento dos consumidores”, complementa o estudante.
Monopólios no cotidiano
A todo momento, pessoas enfrentam situações de monopólios ou oligopólios em em situações do cotidiano, como no transporte coletivo e nos serviços de telecomunicações. O mercado de telefonia no Brasil é reduzido a algumas poucas grandes empresas, sujeitas à ação da ação reguladora do governo por meio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel ), que limita a entrada de novas corporações na competição. Na telefonia móvel, oito empresas têm autorização para operar em território nacional. O resultado é que, em pesquisa de satisfação divulgada pela Agência no primeiro semestre deste ano, nenhum consumidor declarou estar totalmente satisfeito com os serviços de telefonia móvel prestados no país.
De acordo com Gabriel Oliva, o sistema de mercado livre estimula a melhoria dos serviços. Para ele, “o grande trunfo da livre concorrência está na possibilidade de qualquer empreendedor experimentar novas soluções para os problemas das pessoas. Ela possibilita a utilização de conhecimento valioso que está disperso na sociedade, e não concentrado na cabeça de poucos monopolistas”, argumenta, baseado na teoria do economista Friedrich Hayek.
Na mesma época em que o Brasil começou a privatizar as telecomunicações e criou a Anatel, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ocorreu na Guatemala, um país pobre da América Central, um fenômeno interessante. Ao invés de seguir os conselhos do Fundo Monetário Internacional (FMI), o novo governo guatemalteco formado em 1995 vendeu a empresa estatal de telefonia e removeu todas as barreiras de competição no setor: qualquer um poderia entrar no mercado e oferecer serviços. De 289 mil linhas telefônicas para 11 milhões de habitantes em 95, o país saltou para 18 milhões de números para 13,5 milhões de habitantes. Em um país de terceiro mundo, nove entre dez pessoas hoje possuem um telefone.
Os exemplos não param por aí. Diariamente, os moradores das grandes cidades brasileiras, como São Paulo, têm de lidar com um sistema de transportes ineficiente e superlotado. A média é de 9,6 milhões de passageiros transportados diariamente na capital paulista, com uma malha de 1.316 linhas municipais. “Pouquíssimas pessoas se preocupam com o cartel das empresas de ônibus, cartel esse orquestrado pela própria prefeitura. Todos querem mais ônibus, com mais qualidade e menor preço, mas ocorre silêncio absoluto no que diz respeito à falta de liberdade de empreender no setor”, critica Fabio Barbieri.
Oliva concorda com o doutor da FEA/RP. Segundo ele, “o governo determina os preços, padroniza os tipos de veículos, escolhe as trajetórias, limita a quantidade de táxis, proíbe a atuação de vans, peruas, moto-táxis etc. Não é a toa que constatamos muito pouco progresso na prestação de serviços nesse setor: não se permitiu que fossem experimentadas ideias que poderiam mudar para melhor a experiência de transporte das pessoas”, analisa.
Ao falar sobre a questão do transporte paulistano, Barbieri diz que o problema não é recente. Ele cita a administração de Marta Suplicy, que regulou todo o setor de lotações para que ele acompanhasse o aumento das passagens das empresas parceiras da prefeitura. “A partir daí o sistema foi totalmente regulado: só poderiam operar as peruas cadastradas nas cooperativas, cobrando, claro, o preço maior. Regulação garante preço justo ou garante lucro das firmas do setor e apoio político aos vereadores e prefeitos?”, questiona. Gabriel Oliva acrescenta que Lima, capital do Peru, apresenta um modelo de sucesso na desregulamentação do transporte público. “Nessa cidade, 80% da população utiliza o transporte coletivo, há grande penetração nas periferias e os preços são acessíveis aos mais pobres”.
Combate
No Brasil, o governo utiliza o sistema de regulação de mercado através do Comitê Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Em seu site, a entidade se descreve como uma autarquia federal do Poder Judiciário, zeladora da livre concorrência no mercado. O órgão atua prevenindo a formação de monopólios, decidindo sobre fusões e aquisições de empresas “e outros atos de concentração econômica entre grandes empresas”, afirma a mensagem da entidade na internet.
A história mostra que, nos Estados Unidos, os monopólios foram uma das primeiras áreas da economia a serem regulados. A legislação ianque sobre o tema foi introduzida no início do século XX, para coibir práticas anticoncorrenciais por parte das empresas. “Na prática, a história é bem diferente. A legislação antitruste sempre foi utilizada, aqui, nos EUA ou em qualquer parte, como instrumento de pressão política por parte das empresas incompetentes para combater as empresas melhores”, comenta Barbieri.
Em 1912, a Corporação do Aço dos Estados Unidos foi acusada de ser um monopólio, por deter 50% da produção do produto, sendo acionada judicialmente em 1920. No entanto, a Corte Suprema concluiu que a companhia não era monopolista. A decisão do máximo tribunal americano é considerada um marco de referência na questão, estabelecendo uma distinção cuidadosa entre grandeza e monopólios, sugerindo que grandes empresas não são necessariamente ruins. “Uma combinação industrial não é censurável apenas por causa de seu tamanho – o capital e o poder de produção – ou simplesmente por causa de um poder de restringir a concorrência, se não for exercido”, argumenta. O júri concluiu que, apesar da grandeza da corporação, a capacidade desta ser muito maior do que a de qualquer competidor não era maior do que o porte de todos os concorrentes juntos.
Fabio Barbieri analisa que o consumidor sai prejudicado com as leis criadas para combater monopólios. Para eles, a ação do governo desestimula a melhora da qualidade e dos preços. “Historicamente, a legislação sempre atuou prejudicando firmas que diminuem preços e melhoram qualidade. No limite, firmas investem mais em “agrados” ao poder público, garantindo privilégios, do que em inovação. Legislação antitruste pune inovação e ao mesmo tempo ignora solenemente privilégios concedidos pelo estado que impedem em absoluto a competição”, completa.
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