O mundo em que vivemos está cheio de imperfeições. À medida que alguém olha em volta, não é difícil encontrar exemplos de externalidades, informação imperfeita, ou problemas de ação coletiva que deixam bens públicos insuficientemente dispersos. Mas com essas falhas, é sempre muito fácil dar um grande salto para defender soluções utópicas. Os problemas que estamos tentando resolver surgiram de instituições imperfeitas formadas por pessoas imperfeitas. A perfeição postulada por parte das instituições que defendem resolver algum problema é irreal.
O economista Harold Demsetz chamou esse erro de “falácia do nirvana”. Demsetz escreveu que:
“A visão que agora permeia grande parte da política econômica apresenta implicitamente a escolha relevante entre uma norma ideal e um existente arranjo institucional ‘imperfeito’. Esta abordagem do nirvana difere consideravelmente de uma abordagem feita por uma instituição comparativa em que a escolha é relevante entre arranjos institucionais alternativos reais. “
Essa falácia aparece muitas vezes quando as pessoas propõem soluções para as falhas de mercado. Elas normalmente reconhecem que os indivíduos nos mercados buscam o interesse próprio e confiam em informações imperfeitas, e que isso às vezes resulta em falhas de mercado. Mas as soluções políticas propostas por todos eles, muitas vezes, assumem um governo idealizado, no qual os políticos implementam políticas exclusivamente para o interesse público, em vez de seus próprios e objetivos egoístas. É fácil cair na falácia do nirvana, quando alguém acha que a natureza humana e as motivações são fundamentalmente diferentes em diferentes instituições. Mas isso só deve ser feito quando temos evidências convincentes para apoiar tal afirmação. Caso contrário, devemos assumir que as atitudes serão semelhantes. Como James Buchanan disse: “o mesmo modelo de comportamento humano deve ser aplicado em diferentes instituições ou diferentes conjuntos de regras“.
A análise institucional comparativa não olha para instituições ideais, mas para diferentes instituições formadas por seres humanos reais e falhos. Ela também examina especificamente as instituições possíveis dentro de um determinado contexto. Às vezes, isso leva a conclusões contra-intuitivas.
Por exemplo, a Somália é frequentemente usada como um trunfo contra o anarquismo, porque carece de um governo central funcionando e sofre de graves problemas de pobreza e violência. Mas, como o economista Peter Leeson aponta, dizer que os males da Somália decorrem da apatridia se baseia na falácia do nirvana. A maioria dos que usam a Somália como um exemplo negativo de anarquia está comparando este país pobre e subdesenvolvido sem estado com estados do rico e desenvolvido Ocidente. Mas simplesmente inserir um rico, transparente, liberal, e bom governo ocidental na Somália não é uma opção realista. Em vez disso, devemos comparar Somália apátrida com a forma como a Somália funcionava quando era um estado, e com os países vizinhos, que são estados em estágios semelhantes de desenvolvimento econômico.
Este tipo de análise comparativa institucional sugere surpreendentemente que a Somália está em melhor situação sem estado. A pesquisa de Leeson mostra que o país melhorou imensamente sob a anarquia em relação ao seu desempenho anterior sob um governo. Ele explica:
De acordo com os dados, dos dezoito indicadores de desenvolvimento, quatorze apresentam melhora inequívoca sob a anarquia. A expectativa de vida é maior hoje do que foi nos últimos anos de existência do governo; a mortalidade infantil diminuiu vinte e quatro por cento; a mortalidade materna caiu mais de trinta por cento; o percentual de bebês com baixo peso ao nascer caiu mais de quinze pontos percentuais; o acesso aos serviços de saúde aumentou mais de vinte e cinco pontos percentuais; o acesso a saneamento subiu oito pontos percentuais; a pobreza extrema caiu quase vinte pontos percentuais; o percentual de crianças com até um ano de idade completamente imunizadas contra a tuberculose cresceu quase vinte pontos, e contra o sarampo aumentou dez pontos percentuais; as mortes por sarampo caíram trinta por cento; e o número de TVs, rádios e telefones aumentou entre três e vinte e cinco vezes.
Enquanto os governos podem proteger os direitos e promover uma governança que permita a cooperação e administração dos bens públicos, eles também podem causar danos reais. Às vezes isso ocorre porque eles se envolvem em pilhagem e violência, que minam a cooperação. Outras vezes, excluem os melhores métodos para a provisão de bens públicos. No caso da Somália, o desenvolvimento econômico visto após o colapso do estado “pode ser atribuído ao aperfeiçoamento tendo em vista o interesse público fornecido pelo anárquico setor privado da Somália em detrimento do fornecido pelo seu antigo governo.”
A maneira econômica de pensar nos ensina a entender que as escolhas são limitadas. Isso inclui escolhas sobre instituições políticas. De acordo com Leeson: “características históricas, como a tensão do clã, corrupção desenfreada, conflitos territoriais, e muitas outras, que não podem ser mudadas num curto prazo, restringem severamente o tipo de governo que países como a Somália podem aceitavelmente esperar se tiverem um governo”.
Com essas restrições, alo aparentemente grosseiro e falho como a apatridia é melhor do que o falho governo que provavelmente adviria se um estado tomasse o poder na Somália.
Provavelmente evitar a falácia do nirvana pode pintar uma imagem que parece desanimadora. Mas é melhor ver as imperfeições do mundo do que fazer a vida das pessoas pior, ao promover soluções idealizadas que são desastrosas quando implementadas sob as restrições do mundo real.
Nathan Goodman foi coordenador de campus do Students For Liberty.
Este artigo não necessariamente representa a opinião do SFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões.