O protagonismo do BNDES na Política Externa brasileira recente

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O protagonismo do BNDES na Política Externa brasileira recente

Luiz Eduardo Peixoto | 23 de dezembro, 2015

Roberto Stuckert Filho/Presidência da República

Resumo

Neste artigo, expõe-se que o BNDES assumiu nos últimos anos papel de articulador entre empresas do país e nossa política externa, por ação setorial e direcionada a grupos empresariais específicos.

Constituído em 1952, o BNDES era entendido por seus criadores como um tripé essencial de sustentação às aspirações industrialistas dos governantes de então, que atribuíam à escassez de capital um dos motivos para a indústria brasileira ser pouco dinâmica e não produzir muitos dos bens que o país demandava. Desde então, foi alvo de intensos debates, com argumentos desde os preocupados com o maior intervencionismo, com sua ação distorcendo o mercado de crédito no país, até os que alertavam que as somas eram injustificáveis frente às fraquezas do governo em prover bem-estar a população. A discussão acerca do papel do banco nunca deixou de ser acalorada, tanto sobre seus critérios para concessão do empréstimo quanto seu custo-benefício.

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Diminuindo de tamanho entre os anos 80 e 90 – sob novo direcionamento da política econômica do governo, de menor dirigismo estatal e necessidade de reequilíbrio fiscal. O banco voltou ao protagonismo no 2o ano do governo Lula – sendo um dos principais instrumentos de política econômica anti-cícilica adotados a partir de 2008, para mitigar os efeitos da crise global, e se fortalecendo sob Dilma Rousseff – atingindo R$ 1,14 trilhão entre o segundo mandato de Lula e os primeiros 3 anos e meio de Dilma – aumento real de incríveis 296% ante os 8 anos anteriores. Passou a atuar fortemente também no exterior, onde o banco se tornou um dos principais articuladores da política comercial posta em prática nos anos do governo petista, sobretudo a partir do segundo mandato de Lula e prosseguindo ao longo do primeiro de sua sucessora, com uma ação fortemente discricionária e criticada pela pouca transparência e preferência por empresas específicas em suas concessões de crédito subsidiado, em especial o Grupo Odebrecht.

O BNDES ressurgiu como pedra basilar da chamada Nova Matriz Econômica, com os crescentes desembolsos orientados cada vez mais ao redor da ideia de “grandes nacionais”. Isto pautou parte importante da política externa brasileira, em especial a partir do 2º mandato de Lula, inferem Vilela e Neiva (2011), ao comparar as viagens de Fernando Henrique e seu sucessor, e apontam para uma mudança de foco de temas ligados a democracia, direitos humanos, e mercados comuns para acordos setoriais e oportunidades em licitações locais.

Estudos recentes, analisando o gerenciamento da política externa no período, apontam que esta foi orientada por uma atuação próxima das maiores beneficiárias do BNDES com as estratégias de comércio exterior postas em práticas pelo Brasil. Estas foram, em grande parte, setoriais e voltadas para a promoção de companhias nacionais consideradas de “maior interesse estratégico” (conforme discursos entre 2006 e 2011), de forma a justificar as preferências do banco. Isto beneficiou principalmente grandes empreiteiras brasileiras, confluindo com uma maior movimentação deste para atuar junto do governo, como analisa Delgado (2011).

A partir de novembro de 2004, em especial, com a posse de Guido Mantega, fica claro esta nova orientação do banco de fomento, ao se divulgar o informe Integração da América do Sul: o BNDES como agente da política externa brasileira. Nele destacam-se projetos em diferentes países da região com subsídios do banco – entre eles, a linha 4 do metrô de Caracas, na Venezuela, e o Gasoduto entre Lima e Callao, no Peru.

Ainda que o governo de Fernando Henrique já previsse maior autonomia do banco para atuar no exterior, a própria estatal confirma, em sua página na internet, que  “desde 2003, o Banco também apoia o investimento direto de empresas brasileiras no exterior, tanto por meio de financiamento quanto de participação acionária”. Há mudanças radicais, também, no tamanho que os esforços atingiriam e na sincronia entre agentes, onde a política externa e decisões de certas empresas a investirem no exterior passam a ter o BNDES como principal agente intermediador. Uma alteração notável, que ganhou força após 2008, selaria a proximidade do banco à grandes grupos empresariais nacionais: com o aumento significativo dos aportes no BNDESPar, o banco se tornou diretamente proprietário de fatias de empresas e consórcios, retornando com vigor ao modelo de participação estatal em setores diversos da economia brasileira, por meio de participação acionária.

Com o Decreto 6.322, de 2007, esta coordenação seria reforçada, com a alteração de inciso para incluir como função do banco “financiar a aquisição de ativos e investimentos realizados por empresas de capital nacional no exterior, desde que contribuam para o desenvolvimento econômico e social do País” – que seria posteriormente criticada por especialistas como Sergio Lazzarini e mesmo funcionários do banco pela subjetividade da redação.

Paralelamente, a política externa brasileira, na região, se tornou orientada para o suporte, prospecção e promoção destas empresas em certames de diferentes países na América Latina e, posteriormente, na África. Isto se constitui junto de um maior enfoque Sul-Sul, com atuação mais incisiva em licitações específicas de países da África e América Central – que receberiam investimentos subsidiados pelo BNDES.

Projeto País Empresas Desembolso BNDES
Expansão de Gasodutos (Cammesa, TGS e TGN) Argentina Odebrecht US$ 1,073 bilhão
Linha II e V do Metrô de Caracas Venezuela Odebrecht US$ 946 milhões
Termoelétrica a Carvão República Dominicana Odebrecht US$ 656 milhões
Ferrovia Del Carrare Colômbia Odebrecht; Camargo Corrêa US$ 650 milhões
Hidrelétrica em Cambambe Angola Odebrecht US$ 464 milhões
Rodovia Interoceânica Sul Peru Camargo Côrrea; Odebrecht; Andrade Gutierrez: Queiroz Galvão US$ 420 milhões
Rodovia San Inacio de Moxos Bolívia OAS US$ 332 milhões
Usina Hidrelétrica San Francisco Equador Odebrecht US$ 242,9 milhões

Maiores desembolsos no BNDES a Projetos no exterior, 2007-2014.

Fontes: Deos (2009); Borges (2010), Couto (2006) e BNDES (2015).

Uma das críticas ao modelo de financiamento pelo BNDES afirma que a alta ingerência do Executivo nas políticas traçadas pelo banco e o crescimento exponencial das somas envolvidas em crédito subsidiado podem fazer do banco um grande (e custoso) instrumento para corrupção. Esta crítica ganhou força na toada da Operação Lava-Jato, que evidenciou práticas duvidosas e os meandros do que Lazzarini descreve como “capitalismo de laços” – uma relação entre governos e empresas pelo auxílio do primeiro a expansão de empresários específicos, em troca de apoio político e financeiro.

O protagonismo da Odebrecht nos recentes casos de corrupção, coincidência ou não, também é visto em sua fatia no bolo do BNDES, já que a empresa foi receptora de 41% dos cerca de R$ 44,1 bilhões despendidos para projetos no exterior entre 2010 e 2014. Se considerado o período entre 2007 e 2014, este dado aumenta para espantosos 70%. O financiamento a projetos do conglomerado fora do Brasil subiu da média de US$ 166 milhões anuais, entre 1998 e 2006, para cerca de US$ 1 bilhão em desembolsos anuais entre 2007 e 2013.

Lazzarini também aponta para as coincidências de empresas contempladas pelo BNDES e em atuações específicas da política externa do país, voltadas para grupos beneficiados simultaneamente por ambas atuações. A era Lula foi marcada por atuação mais específica do banco estatal, concentrada em alguns grupos corporativos, coadunando com a visão de “gigantes nacionais” advogadas por teóricos ligados ao PT e no Ministério da Fazenda à época. A atuação da Fazenda, neste sentido, guarda fortes similaridades com a do MRE, apontando para um alinhamento de interesses dentro da máquina pública – e, em última instância, reforçando os laços patrimonialistas que marcam nossa economia.

A resistência que o BNDES mostrou em abrir suas contas e a falta de objetividade nos critérios de fornecimento do crédito subsidiado pelo banco estatal reforçam a tese. De acordo com o órgão, tratam-se de dados sigilosos. No entanto, é primordial que uma política sustentada pela população tenha total transparência de suas transferências, critérios claros e objetivos e contínua análise de resultados.

Também percebe-se fraqueza nas atividades no exterior de muitas empresas do país, especialmente as ligadas a infraestrutura, e óleo e gás – fortes receptores de incentivos estatais nos últimos anos, num incentivo ilusório e insustentável para atuação no exterior. Ademais, os atrasos vistos em obras públicas no país repete-se também em inúmeras parcerias no exterior – como a linha V do metrô de Caracas, atrasada em quatro anos e com aumento em cerca de 220% sobre seu custo inicial.

O aparente paradoxo na política externa brasileira no que se refere à agenda comercial – pela falta de avanços em acordos comerciais – sugere uma escolha do governo, ao evitar desgastes dos diferentes grupos de interesse ofensivos e defensivos que afloram nos debates pela liberalização comercial, bem como por diretrizes ideológicas do Partido dos Trabalhadores, histórico opositor de tais medidas. A promoção de nossas capacidades foi feita via relações diretas para “favorecer uma integração competitiva das companhias brasileiras ao processo de Globalização Produtiva, (…) uma oportunidade para que sejam efetuados investimentos estratégicos em projetos de integração regional” (BNDES, 2003), expondo seu caráter direcionado em algumas empresas.

A atuação do BNDES no exterior, conforme atestam os números expostos e a falta de transparência em suas operações ao longo da última década, aponta para uma ação discricionária, em consonância com uma política comercial que se fechou para acordos amplos e optou por parcerias pontuais, com fortes nuances no modelo nacional-desenvolvimentista dos anos 50. Os números e a recessão atual indicam para resultados desastrosos da estratégia, aumentando a dependência de diversos agentes econômicos no governo, arriscando nossa saúde fiscal, e multiplicando possíveis focos de corrupção.

No que pese tanto críticas quanto elogios ao papel do banco estatal, é essencial que este, ao utilizar de recursos do Tesouro para financiar crédito subsidiado, atue com rígidos critérios e preferência por setores da economia que lidam com real escassez de crédito – o que não é o caso de grandes empreiteiras, por exemplo. É preciso repensar o papel do banco e de nossa política comercial, para que possamos nos inserir às cadeias de comércio mundiais e, desta forma, nos integrarmos de forma mais efetiva as forças dinâmicas de desenvolvimento mundial – e sairmos da paralisia e da piora de competitividade, aprofundadas em uma economia fechada.

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Luiz Eduardo Peixoto é graduando em Economia na Universidade de São Paulo (FEA-USP) , técnico em Química pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), e coordenador local do Students For Liberty Brasil

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