O que teremos para comemorar nos 20 anos do Plano Real?
Anderson Antonio Denardin | 1 de julho, 2014
Foto por Rovena Rosa/Agência Brasil
A introdução do Plano Real, em 1º julho de 1994, representou um marco consagrado na história econômica e política do Brasil, uma vez que constituiu-se na reforma monetária mais eficaz e bem sucedida da história da república, cumprindo seu maior propósito que era o de debelar a inflação e garantir a estabilidade do sistema de preços, além do que, possibilitou a ampliação do poder de compra da população, e abriu espaço para uma profunda reestruturação dos diferentes segmentos da atividade econômica nacional, permitindo a retomada das boas práticas de planejamento para o médio e longo prazo, e garantindo a possibilidade de retomada da trajetória de crescimento sustentável.
Para se ter uma noção da importância representada pelo Plano Real para a economia brasileira, é fundamental destacar que ele conseguiu extirpar uma doença crônica que contaminava e assolava todo o sistema econômico, e que frustrava qualquer tentativa ou possibilidade de se pensar no futuro do país, ou seja, conseguiu sepultar uma moeda que acumulou, de julho de 1965 a junho de 1994, uma inflação de 1,1 quatrilhão por cento, uma inflação de 16 dígitos em três décadas, ou precisamente, um IGP-DI de 1.142.332.741.811.850%.
Representando a tentativa de inserção da economia brasileira em uma nova ordem global liberalizante, o Plano Real produziu uma seqüência de profundas reformas estruturais de cunho liberal, que foram postas em prática com vistas a consolidar o processo de estabilização da economia, e criar um ambiente apropriado e favorável à retomada do crescimento econômico sustentável.
Dentre as principais reformas implementadas, podemos destacar:
- A execução de um rigoroso ajuste fiscal, com a adoção lei de responsabilidade fiscal, cortes nas despesas, aumento nas receitas, metas de superávits, com vistas a ajustar as contas públicas e produzir um equilíbrio fiscal;
- A implementação de uma reforma patrimonial que permitiu a privatização de empresas estatais e a substituição por uma gestão mais competente e eficiente promovida pelo setor privado, de acordo com as regras de mercado;
- Reforma do Sistema Financeiro através da reestruturação dos bancos privados, visando assegurar a liquidez e a solvência do sistema (PROER), privatização e liquidação dos bancos estaduais (PROES), a criação do programa de fortalecimento das instituições financeiras federais (PROEF) aplicados ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal, permitindo o saneamento dessas instituições. Além das reformas de caráter estruturais, o Banco Central vem adotando medidas rígidas para disciplinar o comportamento das instituições financeiras, através da melhoria e aperfeiçoamento no arcabouço de regulamentação prudencial e supervisão do sistema financeiro brasileiro;
- Regras que permitiram uma maior abertura do mercado financeiro, as quais consideraram ser do interesse do país a entrada ou o aumento da participação de instituições estrangeiras no sistema financeiro nacional, com vistas a garantir maior competição, agregar novas tecnologias, proporcionar a redução de custos, e assegurar uma maior eficiência do sistema;
- Reformas institucionais com o intuito de aumentar a transparência e a eficiência do mercado de crédito e de capitais com o propósito de melhorar as condições de acesso, reduzir os riscos e as imperfeições na intermediação financeira, aumentar a transparência e a concorrência, ou seja, melhorar a cultura de crédito no país;
- Ampliar abertura comercial e financeira com o exterior, com vistas a aumentar e diversificar a oferta de bens e serviços, forçar a modernização da indústria nacional expondo-a a uma maior concorrência, criar condições para uma elevação na taxa de poupança e de investimento da economia com vistas a estimular o crescimento econômico de longo prazo, o aumento da produção e assegurar a queda permanente no nível de preços.
É importante considerar que a trajetória seguida para a implementação do Plano Real e das reformas por ele propostas não foi tranqüila, dado que o Brasil enfrentou, logo de início, três grandes crises, a Crise do México (1995), a Crise Asiática (1997-1998) e a Crise da Rússia (1998). Em todas essas ocasiões a economia brasileira foi indiretamente afetada, pois estava em reformas e necessitava de recursos, investimentos e financiamentos estrangeiros. Em 1999 a economia brasileira foi diretamente acometida pela crise, sofrendo os efeitos amargos dos ataques especulativos e da instabilidade por eles promovidos, sendo forçada a abandonar o regime de câmbio fixo e a adotar o programa de metas de inflação, e seguir uma rígida disciplina fiscal, com o firme propósito de sinalizar o compromisso com a estabilidade de preços, e consolidar a confiança que vinha conquistando no cenário internacional. Não obstante as grandes dificuldades enfrentadas, o Brasil vinha seguindo na trajetória de aprofundar e consolidar as reformas estruturais necessárias para modernizar sua economia.
Esse elenco de reformas estruturais de caráter macroeconômico, posto em marcha pelo programa de estabilização, permitiu conquistas extraordinárias para a economia brasileira, dentre as quais se destacam: a consolidação da estabilidade de preços, uma constante melhoria nas contas públicas, uma melhora expressiva nas contas externas, a recuperação da confiança dos investidores internacionais, uma queda persistente na taxa de juros, a valorização da taxa de câmbio, um acumulo considerável de reservas em moedas estrangeiras, uma crescente atração de investimentos diretos estrangeiros, a recuperação e o fortalecimento da imagem do país no cenário financeiro internacional, uma significativa melhora nos indicadores de emprego e renda dos brasileiros, a recuperação da capacidade de planejamento para o médio e longo prazo e, mais importante, a retomada da capacidade de crescimento econômico sustentável.
É importante considerar que todas essas conquistas exigiram um longo período de grandes esforços, e significativos sacrifícios enfrentados com bravura pela sociedade. Não obstante os significativos avanços observados, referentes às reformas macroeconômicas de natureza estruturais e regulatórias que ocorreram desde a implementação do programa de estabilização, o Brasil continuava apresentando algumas característica desfavorável, destacando-se: a existência de um mercado de crédito pouco desenvolvido, que representa a principal fonte de financiamento para as empresas, em especial, para as de pequeno e médio porte; a existência de um mercado de capitais incipiente, o qual não representa um substituto perfeito para os empréstimos bancários; dispõe de taxas de juros e de spreads bancários excessivamente elevados nas operações de crédito, quando comparado aos padrões internacionais, os quais apresentam significativa rigidez em reduzir-se; as operações de crédito com recursos livres são realizadas mediante curtíssimo prazo de maturação, sendo que, operações de crédito de longo prazo no segmento de mercado livre são praticamente inexistente.
Agregando-se a esses fatores, o país ainda conta: com uma profunda deficiência na estrutura institucional, refletida na falta de transparência e qualidade nos padrões de demonstrações financeiras das empresas; uma significativa ineficiência do judiciário, materializadas na morosidade das decisões, nos elevado custo de uso e de acesso à justiça e, no alto risco embutido na falta de imparcialidade e previsibilidade das decisões judiciais; elevada incerteza com relação ao comportamento do Estado, consolidada no elevado risco de expropriação e de repúdio aos contratos por parte do governo, agravadas por um intenso processo de corrupção; e, de um modo geral, com um péssimo ambiente institucional para se fazer negócios.
Com vistas a aprofundar as melhorias no ambiente econômico e aperfeiçoar os instrumentos de livre mercado, e dirimir os problemas que ainda persistem e dificultam o ganho de eficiência, de competitividade e de dinamismo da economia, algumas reformas muito importantes e imprescindíveis ainda encontram-se pendentes na agenda de ação do governo, tais como, a reforma tributária, a reforma trabalhista, a reforma previdenciária, a reforma administrativa para desburocratizar, melhorar a gestão e dar mais transparência e eficiência nas funções públicas, além das reformas institucionais que permitam criar um ambiente adequado e favorável para os negócios.
Considerando a fase de relativa bonança conquistada como efeito dos ajustes promovidos até então, o atual governo contava com um ambiente extremamente favorável para dar seqüência e aprofundar as reformas estruturais necessárias para consolidar o programa de estabilização e colocar a economia brasileira de uma vez por todas nos trilhos do progresso e do crescimento sustentável. Porém, o que verificamos foi um completo abandono da agenda de reformas, e uma abrupta inflexão na trajetória da política econômica.
Oportunizando-se da situação adversa produzida pela crise do sub-prime nos EUA (2008), e da recente crise na área do Euro (2009), o atual governo arrumou uma justificativa para tentar dirimir os efeitos da crise sobre a economia brasileira e inverter a ordem de prioridades e, em vez de dar seqüência e aprofundar as reformas liberalizantes em benefício da livre iniciativa privada e da eficiência alocativa de mercado, retomou as ações intervencionistas e aderiu a uma política agressiva de aumento nos gastos públicos, estímulos a expansão excessiva e irresponsável do crédito (incentivando operações de alto risco via ações de bancos públicos como Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES), retomou e ampliou as políticas fortemente intervencionistas, reativou as práticas de políticas protecionistas, ampliou a ingerência do governo na gestão das empresas de controle público (Banco do Brasil, Petrobras, Eletrobrás), e produziu uma crescente interferência na forma de atuação do Banco Central, comprometendo sua pretensa autonomia na gestão da política monetária e cambial.
Com tais estratégias de política, tem se verificado uma constante deterioração dos sólidos fundamentos que a economia vinha conquistando desde a implantação do Plano Real. Tudo parecia ir muito bem, e as expectativas eram as melhores, até que os ventos mudaram de direção. Por conta da administração “criativa” que vem sendo executada desde a posse do atual governo e de sua equipe econômica, hoje começamos a colher os resultados mais adversos possíveis, compreendendo: elevação nos déficits fiscais, dívida pública crescente, aprofundamento no desequilíbrio externo, fuga de capitais e desvalorização cambial, perda de competitividade da economia, desindustrialização, inflação crescente, estagnação econômica, perda de credibilidade externa, risco de rebaixamento da qualidade da dívida brasileira pelas agências de qualificação de risco, deterioração do patrimônio público (comprometimento da eficiência de empresas estatais – Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobrás, Eletrobrás,….), saúde e educação de péssima qualidade, falta de segurança, corrupção descontrolada, prioridade inadequadas para a aplicação dos recursos públicos que contrariam o interesse do povo (gastos excessivos com as obras para a Copa do Mundo, negligenciando áreas prioritárias como educação, saúde, segurança, e infra-instrutora produtiva), aumentando a incerteza e piorando o ambiente de negócios,…, e por aí afora.
Nesse ambiente pouco animador, os empresários têm suas expectativas com relação ao futuro frustradas e acabam cancelando suas intenções de investimentos, e os investidores estrangeiros, vendo o Brasil como um porto cada vez mais inseguro para aportar seus recursos, acabam sendo afugentados.
O atual governo, gradualmente, tem conseguindo conduzir a economia para aquele clássico ciclo vicioso que combina de déficit fiscal, endividamento público, instabilidade cambial e inflação, que produzem efeitos perversos, que o Brasil bem conhece em virtude de experiências passadas.
Estes resultados “aberrantes” são frutos de um amadorismo irresponsável de uma gestão incompetente e fraudulenta que tem adotado as chamadas “medidas desenvolvimentistas” de uma forma insana e descoordenada sem o mínimo de critério, sem o mínimo de planejamento. Tais experiências, para quem tem um pouco de memória, já produziram, num passado não muito distante, as mais profundas e derradeiras desordens na economia brasileira. Pelo que se percebe, a história de terror começa a ser reproduzida novamente.
O Brasil esteve a um passo de um futuro promissor e próspero, tanto propagado e aguardado, porém, quando tudo parecia ir muito bem, quando o país parecia estar pronto para dar o grande salto de qualidade para a prosperidade, para um futuro tão almejado, estamos sendo mais uma vês surpreendidos, com a ameaça de sermos reportados a um passado sombrio e nefasto, que gostaríamos de esquecer, mas que o atual governo, saudosista, insiste em nos fazer reviver. Uma coisa parece certa, o Brasil está condenado a continuar sendo o eterno país de um futuro que nunca chegará.
Estamos às vésperas de celebrar os vinte anos do Plano Real, em 1º de julho de 2014, mas, ao que tudo indica, não teremos o que comemorar, pois as grandes conquistas do programa de estabilização, que constituem seus pilares de sustentação – regime de metas de inflação, estabilidade de preços, lei de responsabilidade fiscal, meta de superávit primário e equilíbrio fiscal – estão sendo seriamente comprometidas, de modo que, em vez de comemorações, estamos correndo um sério risco de termos que sepultar um programa que, em sua breve existência, ousou fazer um grande sucesso e que tem tudo para dar muito certo, mas está sendo seriamente ameaçado por uma gestão amadora, irresponsável e incompetente.
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