Você provavelmente não é da classe média – e é mais rico do que pensava
Daniel Duque | 13 de dezembro, 2017
“Como assim quem ganha mais do que isso está na Alta Classe Alta? Segundo esse critério aí, eu estou entre as pessoas mais ricas do país.”
Muitos leitores assim reagiram quando, em artigos recentes deste Mercado Popular, citei classificações utilizadas pela Presidência da República para as faixas de renda no Brasil. O susto se deu quando muitos notaram que, ao contrários do que imaginavam, eles mesmos não faziam parte da classe média brasileira. Alguns acusaram o governo como culpado pela manipulação maldosa dos dados, mas deste crime nossos políticos infelizmente não podem ser acusados.
Afinal, segundo os critérios oficiais, estão na classe média todas as famílias com renda superior a 292 reais por integrante e fazem parte da classe alta aquelas que acumulam mais de 1019 reais por mês, por pessoa. Como a maioria das famílias no Brasil agrega três ou quatro pessoas, boa parte dos domicílios da classe média brasileira tem renda total entre 900 e 4000 reais por mês, somando os vencimentos de todos os seus integrantes que trabalham.
Basta comparar esses números com o preço de uma conexão à internet no Brasil (ou com o número de brasileiros que tem acesso a internet) para concluir que o susto dos leitores tinha alguma razão: quase todos eles integravam ao menos a Classe Média Alta. E a maioria provavelmente está entre os mais ricos. O gráfico abaixo pode esclarecer melhor a confusão – e mostrar que, infelizmente, o Brasil é mais pobre do que se imagina.
Quem está no meio da distribuição de renda brasileira – ou seja, quem é mais pobre do que metade dos brasileiros e mais rico do que a outra metade – estaria exatamente no que o governo chama de “Média Classe Média”, com renda aproximadamente igual a 600 reais. Já uma renda de 1900 reais seria suficiente para garantir um lugar entre os 10% mais ricos do país.
Então quem é a classe média?
Como eu já disse, uma típica família de classe média brasileira tem renda entre R$ 300 e R$ 1000, o que garante uma posição entre os 30-75% da distribuição de renda no Brasil – ou seja, estatisticamente, a classe média é mais rica do que 30% dos brasileiros e mais pobre do que 25%.
Dos quase 100 milhões nessa ampla faixa de renda, 20% estudaram até o fim do Ensino Fundamental, 23% completou no máximo o Ensino Médio e somente 4% tem um diploma universitário, o que mostra que a educação superior ainda é artigo de luxo na sociedade brasileira. E não só a educação, mas também a inclusão digital ainda parece ser uma realidade distante para grande parte dessa população, uma vez que mais de 47% destes afirmava não ter usado a internet nos últimos três meses.
Na semana de referência da pesquisa, 47% da classe média estava empregada, em uma carga horária habitual média de pouco mais de 8 horas. (Você talvez ache o percentual baixo e isso é natural: a conta inclui crianças e idosos). Seus modos de ocupação eram os mais diversos, sendo o emprego com carteira assinada o mais comum, abrangendo quase 45% de todo o grupo.
O mais surpreendente no perfil de emprego na classe média provavelmente é o número de empreendedores – ou seja, gente que trabalha por conta própria e não tem patrão. O empreendedorismo é a segunda ocupação mais comum da classe média, como mostra o gráfico abaixo. Há mais brasileiros de classe média empreendendo do que trabalhando para alguém no setor informal, onde historicamente predominam más condições de trabalho. Esse dado leva a uma conclusão interessantíssima para as políticas públicas brasileiras: políticas salariais ou trabalhistas não beneficiam uma parcela expressiva da empobrecida classe média brasileira; para que esta classe média ascenda socialmente, seria mais eficaz criar um ambiente de negócios menos burocrático e mais amigável ao empreendedorismo.
Como isso é possível?
Profissionais liberais e servidores públicos comumente identificam-se eles mesmos como classe média, o que simplesmente não é verdadeiro quando olhamos para os dados distribuição de renda no Brasil. Apesar do que dizem, suas ocupações geralmente lhes garantem um espaço entre os 10% mais ricos do país. No entanto, o engano é inteiramente compreensível – o padrão de consumo destes assemelha-se ao das classes médias em países europeus e americanos, como fica claro a quem assiste em filmes e séries das duas regiões (aos quais, em geral, somente os brasileiros mais ricos têm acesso).
Como os padrões brasileiros de renda, emprego e educação estão muito distantes desses países, é natural que nossa classe média também esteja. A pobreza da nossa classe média não é resultado da concentração de renda entre uns poucos milionários. O Brasil é desigual, mas a principalmente origem do empobrecimento de nossa classe média não está na distribuição de renda. Nosso problema, infelizmente, é mais simples e grave: o Brasil é um país pobre.
Muitos tentam negar isso, apontando por exemplo o fato de a economia brasileira figurar entre as dez maiores economias do mundo. Trata-se de uma meia verdade, que convenientemente esquece que o Brasil tem também uma das maiores populações do mundo. Se dividíssemos toda a renda produzida dentro do país em um determinado ano por todos os brasileiros, cada um ganharia cerca de R$ 2.270 por mês. E esse experimento mental é bastante rudimentar; na realidade, o valor provavelmente seria menor, já que a renda nacional somada não seria a mesma se o governo decidisse dividir tudo igualmente.
A única saída para garantir melhores condições de vida para famílias pobres e de classe média é o crescimento econômico. Isso não significa, de forma alguma, que a desigualdade brasileira seja baixa. Pelo contrário: temos uma das maiores desigualdades do mundo, como mostra o gráfico abaixo.
Em linha com esse pensamento, Ricardo Paes de Barros – economista que auxiliou a formular o Programa Bolsa Família e outras políticas sociais bem sucedidas -, afirmou em abril desse ano: ‘crescer é a melhor política social no Brasil’.
Sem crescimento, nem mesmo a distribuição de renda mais igualitária do mundo permitiria que nossa classe média tivesse os padrões de vida de seus pares nos Estados Unidos e Europa.
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Daniel Duque participou do Programa de Coordenadores do Students For Liberty e é membro do Instituto Mercado Popular.
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