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Em uma entrevista recente, o psicólogo e linguista canadense Steven Pinker, autor bestseller de diversos livros de divulgação científica e um dos mais notáveis intelectuais públicos em atividade, recebeu a seguinte pergunta: “Qual autor (vivo ou morto) você considera o mais subestimado?”.

Evidentemente, trata-se de uma pergunta muito abrangente, que não pede distinção de categoria ou gênero literário — ficção ou não-ficção; teoria ou literatura; épico-narrativo, lírico ou dramático; romance, novela ou conto etc. Ao mesmo tempo, pede uma apreciação isolada de um único indivíduo sobre um universo cuja extensão ele certamente só conhece uma pequena fração (quantos autores uma única pessoa pode conhecer em profundidade?). Com isso em conta, podemos dizer que uma pergunta desse tipo só pode ter valor meramente subjetivo e circunstancial.

Entretanto, ainda que não tenham valor “científico”, as opiniões e recomendações das grandes mentes de uma época sobre outras obras e autores certamente têm mais do que um valor trivial e mais do que um caráter meramente fortuito — especialmente quando o reconhecimento é dirigido a alguém com convicções e posições tão diferentes daquelas de quem partiu o elogio.

A resposta inequívoca do linguista canadense foi “Thomas Sowell”, um economista e teórico social americano que se tornou persona non grata na academia e no meio intelectual americano por chegar a conclusões que põem em xeque boa parte da cartilha progressista que domina os departamentos de ciências sociais das universidades do país. Enquanto Pinker possui uma forte veia progressista, sendo inclusive apoiador de longa data do Partido Democrata (que corresponde à esquerda na política americana), Sowell é geralmente associado a uma ala libertária da direita conservadora americana (que não corresponde à “direita conservadora” da política brasileira) e um duro crítico das políticas promovidas pelos democratas.

Pinker justificou sua resposta listando algumas das obras mais significativas do economista americano, cada qual acompanhada de uma brevíssima síntese da contribuição teórica trazida pelo autor no referido trabalho, que reproduzo em seguida com apreciações ampliadas de cada obra.

5 Obras subestimadas de Thomas Sowell

1. A trilogia da cultura

Pinker começa referenciando a trilogia da Cultura, um estudo monumental em três volumes (Race and Culture, 1994; Migrations and Cultures, 1996; e Conquests and Cultures, 1998), que traz uma perspectiva global sobre o papel das culturas (em sua dimensão prática) no desenvolvimento dos povos e civilizações mundo afora e ao longo da história, analisando temas que vão da economia à imigração e da geografia à dominação entre os povos.

Baseado em 15 anos de pesquisas do autor, que percorreu o planeta duas vezes durante o período, o estudo “antecipou as ideias de Jared Diamond em Armas, Germes e Aço”, um livro de 1997 que ganhou enorme notoriedade por teorizar como a geografia e o ambiente teriam exercido uma influência determinante no avanço dos povos e no desenvolvimento das civilizações. Diamond é frequentemente reconhecido por ter oferecido uma sólida e convincente alternativa às duas teorias adversárias que buscam explicar as diferenças de desempenho entre os povos via (1) superioridade racial ou (2) estruturas internacionais de poder.

Não obstante, Thomas Sowell havia apresentado a sua teoria três anos antes, no primeiro volume da trilogia, onde não apenas expunha a influência dos fatores geográficos no favorecimento às atividades econômicas em certas localidades, como oferecia uma refutação empírica tanto das teorias de superioridade racial quanto das teorias focadas em dinâmicas internacionais de poder e dominação.

O americano ainda acrescentou na equação um fator humano essencial: a cultura prática desenvolvida por diferentes povos e grupos étnicos (cuja emergência fora influenciada diretamente pelos ambientes e condições geográficas em que se encontravam originalmente), a qual implicou no estabelecimento de um capital humano muito diverso em cada grupo, cada qual concentrando-se em diferentes empreendimentos e atividades econômicas. Esses padrões culturais, que englobam hábitos, comportamentos, valores e habilidades práticas, não têm nada a ver com genética ou biologia, mas são transmitidos culturalmente de geração em geração e levados mundo afora pelos respectivos grupos através das migrações e conquistas, moldando a distribuição de conhecimentos, habilidades e tecnologia em sociedades muito diferentes das suas originais.

Como resultado, alguns grupos foram responsáveis por desenvolver indústrias inteiras em diferentes lugares do planeta, mesmo quando esses grupos eram minorias sem poder bélico ou político. Na realidade, muitos desses grupos étnicos foram perseguidos justamente pelo seu sucesso, por vezes precisando fugir para outras terras, para onde levavam os seus conhecimentos e eventualmente prosperavam novamente, mesmo quando haviam imigrado às pressas e sem posses de suas localidades de origem.

2. Conflito de visões

O segundo livro citado por Pinker é o clássico Conflito de Visões (1987), “que identifica as teorias rivais da condição humana implícitas nas ideologias políticas de esquerda e direita”. Aqui, Thomas Sowell apresenta uma teoria original que busca explicar as origens ideológicas da divisão política a partir de duas diferentes e conflitantes concepções da natureza humana, que ele chama de visões restrita e irrestrita. Segundo Sowell, essas visões diferentes a respeito das capacidades, potencialidades e limitações do homem levam a concepções muito diferentes de poder, justiça, igualdade e liberdade.

Para quem possui uma visão restrita da natureza humana, o homem é uma criatura muito limitada em suas potencialidades, e nós não podemos consertar suas imperfeições, apenas conceber estratagemas sociais que incentivem os melhores comportamentos da nossa natureza e desencoragem os piores. Trata-se de uma visão trágica do homem como um ser eternamente limitado. Já para aqueles com uma visão irrestrita do ser humano, o homem potencial é muito diferente do homem real que vemos hoje. Trata-se de uma visão utópica do homem, cujo aperfeiçoamento é virtualmente ilimitado: somos perfectíveis; basta que os melhores entre nós, imbuídos das intenções e disposições corretas, governem e gerem diretamente os benefícios sociais, dispensando estratagemas como os sistemas de incentivos morais e processos sistêmicos como a economia de mercado.

3. A Busca pela justiça cósmica

The Quest for Cosmic Justice (1996), terceira obra mencionada por Steven Pinker, conclui o que pode ser considerada uma trilogia informal ao lado de Conflito de Visões e The Vision of the Anointed (1995). Nela, Thomas Sowell “compara essa busca quixotesca [pela ‘justiça cósmica’] com a busca pela justiça humana”. O economista afirma que muito do que é defendido em nome da “justiça social” visa corrigir problemas que vão muito além do que pode ser atribuído a qualquer sociedade particular, compreendendo na verdade uma busca por consertar até mesmo acidentes históricos e “injustiças” inerentes à condição humana, constituindo de fato uma tentativa de reparar o cosmos — uma luta por justiça cósmica.

4. Os intelectuais e a sociedade

Já em Os Intelectuais e a Sociedade (2009), “uma exposição desconfortável da insensatez de intelectuais célebres”, Sowell se volta às particularidades da atividade intelectual no ocidente livre, onde emergiu um curioso paradoxo no século XX: justamente de onde os intelectuais gozavam de maior liberdade para expor suas ideias é que surgiram algumas das defesas mais convictas e mirabolantes das atrocidades cometidas pelos regimes mais tirânicos da história, como os totalitarismos alemão e soviético.

5. Crianças que falam tarde

Por fim, em Late-Talking Children (1997), última obra trazida por Pinker, Sowell dá uma das provas mais inequívocas de sua genialidade, oferecendo uma contribuição a uma área em que não possuía qualquer treinamento formal: a psicologia do desenvolvimento. Segundo Pinker, Sowell “antecipou o trabalho de Simon Baron-Cohen sobre o cérebro masculino extremo”, um dos maiores especialistas em autismo no mundo hoje.

O economista se voltou à área devido a uma experiência muito pessoal: seu filho demorou para começar a falar as primeiras palavras, razão pela qual recebeu diagnósticos equivocados de autismo, que se comprovaram falsos à medida que ele passou, ainda que tardiamente, a se comunicar verbalmente como os demais. 

Muitos anos depois, apoiado em pesquisas como a do especialista em psicologia do desenvolvimento Steve Camarata, Thomas Sowell iniciaria um estudo com casos semelhantes para testar sua teoria de que algumas crianças desenvolvem de forma desigual certas funções cerebrais, priorizando o rápido desenvolvimento de habilidades analíticas em detrimento das linguísticas durante dado período da infância.

O trabalho resultaria na descoberta de uma nova síndrome, que ele cunhou de síndrome de Einstein, por especular que o famoso cientista tenha sido acometido dela durante a sua infância (discordando de Baron-Cohen, que havia especulado que Einstein tivesse Asperger, teoria desacreditada pela comunidade científica), visto que é sabido que ele foi um falante tardio, bem como excepcional em suas habilidades analíticas.

Considerações finais

Citando apenas estes cinco trabalhos elencados por Pinker, creio que podemos compreender por que o linguista canadense o considera “o autor mais subestimado de todos os tempos”. O escopo do trabalho de Sowell, que transita com notável facilidade e profundidade entre diversas áreas do conhecimento, apresentando contribuições originais para problemas que afligem teóricos sociais há décadas ou mesmo séculos, sugere que ele deveria estar em um elevado patamar de estima nos espaços intelectuais. Mas sua obra é frequentemente preterida pelos trabalhos de autores cujas avaliações simplistas e soluções fáceis para os problemas complexos são mais convenientes — e mais facilmente convertidas em perfumaria ideológica.

Imagine agora que não citamos nem um quarto de sua obra, composta de mais de 40 livros. Dentre eles estão o seu maior bestseller, Economia Básica (2015), manual de economia usado como livro-texto em faculdades americanas que já está em sua quinta edição, e Knowledge and Decisions (1980), que lhe rendeu a posição de senior fellow na Hoover Institution, na Universidade Stanford, e sobre o qual o economista prêmio Nobel James M. Buchanan escreveu as seguintes palavras: “Você escreveu um livro excelente, e eu não lembro de ter dito isto a mais ninguém… Eu gostaria de ter escrito este livro”.


Lucas Corrêa tem formação em Comunicação Social pela PUC-RS e é pesquisador em Filosofia Política e Comportamento Político no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ. É cofundador do Instituto Atlantos e diretor de comunicação do Instituto Liberdade.

Além disso, Lucas é professor do curso de Introdução ao Pensamento de Thomas Sowell na Cámelia, plataforma de formação do SFLB, as aulas abordam a vida, obra, e pensamento filosófico e econômico de Sowell, além da visão do economista sobre cultura e questões raciais. O curso é exclusivo para os coordenadores do SFLB, se você tem entre 17 e 29 anos, não pode perder a oportunidade de obter essa e outras formações que irão te transformar no melhor exemplo vivo da liberdade, se inscreva na lista de espera.

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