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Neste ensaio, o autor encerra de uma vez por todas o mito de um Adam Smith ingênuo que acreditava que depender apenas do “interesse próprio” criaria prosperidade.

Aqueles que citam Smith nesse sentido não leram, ao que parece, mais do que algumas citações de suas obras e não estão cientes da grande ênfase que dá ao papel das instituições e aos efeitos nocivos do comportamento interesseiro quando canalizado pelas instituições coercitivas do Estado.

O Estado de Direito, propriedade, contrato e comércio canalizam o autointeresse em benefício mútuo, enquanto a ilegalidade e o desrespeito à propriedade dão uma saída completamente diferente e profundamente prejudicial ao autointeresse.

É muito comum ouvir que Adam Smith acreditava que se apenas as pessoas agissem de forma egoísta, tudo funcionaria bem no mundo, que “a ganância faz o mundo girar”. Smith, é claro, não acreditava que depender exclusivamente de motivações egoístas tornaria o mundo um lugar melhor, nem promovia ou encorajava um comportamento egoísta.

Sua longa discussão sobre o papel do “espectador imparcial”, em A Teoria dos Sentimentos Morais, deve encerrar tais interpretações. Smith não era um defensor do egoísmo, mas ele também não era ingênuo a ponto de pensar que a devoção altruísta ao bem-estar dos outros (ou a declaração de tal devoção) tornaria o mundo melhor.

Como Steven Holmes observou em seu ensaio corretivo “A História Secreta do Autointeresse”, Smith conhecia muito bem os efeitos destrutivos de muitas paixões “desinteressadas”, como inveja, malícia, vingança, fanatismo e assim por diante.

Os fanáticos altruístas da Inquisição Espanhola fizeram o que fizeram na esperança de que no último momento de agonia, os hereges se arrependeriam e receberiam a graça de Deus. A crença ficou conhecida pelo nome de doutrina da justificação salvífica.

Humbert de Romans, em sua instrução aos inquisidores, insistiu que justificassem para a congregação as punições a serem impostas sobre os hereges, pois “Rogamos a Deus, e pedimos que vocês roguem a Ele junto comigo que, pelo dom da Sua graça, faça com que aqueles a serem punidos suportem com paciência os castigos que nos propomos a impor-lhes (em busca da justiça, ainda que com pesar) que resulte na sua salvação. É por isso que impomos tal punição”.

Da perspectiva de Smith, tal devoção altruísta ao bem-estar alheio não possuía uma superioridade moral óbvia aos comerciantes supostamente egoístas que procuravam enriquecer com a venda de cerveja e peixe salgado para clientes sedentos e famintos.

Smith está longe de ser um defensor geral do comportamento egoísta, pois se tais motivações levam “como se por uma mão invisível” à promoção do bem geral depende muito do contexto das ações e especialmente do cenário institucional.

Às vezes, o desejo egocêntrico de ser querido pelos outros pode realmente nos levar a adotar uma perspectiva moral, por nos levar a pensar sobre como somos vistos pelos outros.

Em contextos interpessoais de pequena escala como aqueles descritos em A Teoria dos Sentimentos Morais, essa motivação pode resultar em benefício geral, pois o desejo de “tornar-nos os objetos dos sentimentos agradáveis, e ser tão amáveis e tão admiráveis quanto aqueles a quem amamos e admiramos” nos obriga a “tornar-nos os espectadores imparciais de nosso próprio caráter e conduta”.

Até mesmo o autointeresse aparentemente excessivo, quando manifestado no cenário institucional apropriado, pode ser benéfico para os outros, como na história que Smith conta do filho do homem pobre cuja ambição o leva a trabalhar sem descanso para acumular riqueza, apenas para descobrir, ao final de toda uma vida de trabalho duro, que não é mais feliz do que o simples mendigo deitado sob o sol ao lado da estrada. A

busca ambiciosamente excessiva do autointeresse por parte do filho do homem pobre beneficiou o resto da humanidade, levando-o a produzir e acumular a riqueza que possibilitou a própria existência de muitos outros, pois “devido a essas trabalhos da humanidade, a terra tem sido obrigada a redobrar sua fertilidade natural e sustentar uma multidão maior de habitantes”.


No contexto mais amplo da economia política descrita em muitas passagens de Uma Investigação Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, especificamente aquelas que envolvem interação com as instituições do Estado, a busca do autointeresse tem pouca probabilidade de gerar efeitos positivos.

O autointeresse dos comerciantes, por exemplo, os leva a pressionar o Estado para criar cartéis, protecionismo e até guerras: “Esperar, de fato, que a liberdade de comércio devesse ser inteiramente restaurada na Grã-Bretanha, é tão absurdo quanto esperar que uma Oceana ou Utopia devessem ser estabelecidas ali. Não apenas os preconceitos do público, mas o que é muito mais inconquistável, os interesses privados de muitos indivíduos, irresistivelmente se opõem a isto”.

Os ganhos insignificantes de comerciantes com monopólios são comprados às custas de encargos horríveis impostos ao público no caso dos impérios e guerras:

No sistema de leis estabelecido para a administração de nossas colônias americanas e das Índias Ocidentais, o interesse do consumidor interno tem sido sacrificado em benefício do interesse do produtor, muito mais do que em todos os demais regulamentos comerciais.

Implantou-se um grande império para o único fim de criar uma nação de clientes obrigados a comprar nas lojas dos nossos diversos produtores todas as mercadorias que estes possam fornecer-lhes.

Em atenção a esse pequeno aumento de preço que o referido monopólio poderia proporcionar aos nossos produtores, tem-se onerado os consumidores internos com toda a despesa para a manutenção e defesa daquele império.

Para esse fim, e somente para ele, nas duas últimas guerras, gastaram-se mais de 200 milhões, contraindo-se uma nova dívida de mais de 170 milhões, além de tudo aquilo que se gastara em guerras anteriores, com a mesma finalidade.

Os juros dessa dívida, por si sós, ultrapassam não somente todo o lucro extraordinário que jamais se teria imaginado auferir com o monopólio do comércio colonial, mas também o valor integral desse comércio ou o valor total das mercadorias em média exportadas anualmente às colônias.

Assim, a opinião de Smith sobre se, nas palavras de Gordon Gecko, o personagem fictício do filme de Oliver Stone Wall Street, “ganância é bom”, é um firme “às vezes sim, e às vezes não” (presumindo que todo o comportamento autointeressado é “ganância”). A diferença está no contexto institucional.

E quanto ao senso comum de que os mercados promovem um comportamento egoísta, que a atitude psicológica engendrada pelo comércio incentiva o egoísmo? Não sei de nenhuma boa razão para pensar que os mercados promovem o egoísmo ou a ganância, no sentido de que a interação de mercado aumenta o nível de ganância ou a propensão das pessoas a serem egoístas, em relação ao que se observa nas sociedades governadas por Estados que suprimem, desencorajam, interferem ou interrompem os mercados.

Na verdade, os mercados possibilitam que os mais altruístas, bem como os mais egoístas, promovam seus propósitos em paz. Aqueles que dedicam suas vidas a ajudarem os outros usam os mercados para promover seus fins, não menos do que aqueles cujo objetivo é aumentar sua própria fortuna.

Alguns destes últimos até mesmo acumulam riqueza com o propósito de aumentar sua capacidade de ajudar os outros. George Soros e Bill Gates são exemplos desse caso, pois ganham rios de dinheiro, pelo menos em parte, a fim de aumentar sua capacidade de ajudar os outros com suas vastas atividades de caridade. A criação de riqueza na busca de lucros lhes permite serem generosos.

Uma filantropa ou uma santa quer usar a riqueza à sua disposição para alimentar, vestir e consolar o maior número de pessoas possível. Os mercados lhe permitem encontrar os preços mais baixos para cobertores, comida e medicamentos para cuidar daqueles que precisam de sua ajuda. Os mercados permitem a criação de riqueza que pode ser usada para ajudar os menos afortunados e ajudam o caridoso a maximizar sua capacidade de ajudar os outros. Os mercados tornam possível a caridade dos caridosos.

Um erro comum é identificar os propósitos das pessoas exclusivamente com seu “interesse próprio”, que por sua vez é confundido com o “egoísmo”. Os propósitos de pessoas no mercado são mesmo próprios, mas como seres com propósitos também nos preocupamos com os interesses e o bem-estar alheios: nossos familiares, nossos amigos, nossos vizinhos e até mesmo estranhos que nunca conheceremos.

Aliás, os mercados ajudam a condicionar as pessoas a considerarem as necessidades de outras pessoas, incluindo as de estranhos.

Philip Wicksteed ofereceu um tratamento sutil das motivações nas trocas de mercado. Em vez de usar o “egoísmo” para descrever as motivações de engajamento em trocas de mercado (pode-se ir ao mercado para comprar comida para os pobres, por exemplo), ele cunhou o termo “não-tuísmo”. Podemos vender nossos produtos para ganhar dinheiro e ajudar os nossos amigos, ou mesmo estranhos distantes, mas quando pechinchamos em busca do preço mais baixo ou mais alto, quase nunca o fazemos por uma preocupação com o bem-estar da pessoa com quem estamos negociando.

Se o fizermos, estamos fazendo uma troca e dando um presente, o que dificulta a natureza da transação. Aqueles que deliberadamente pagam mais do que precisam quase nunca são bons empresários e, como H. B. Acton observou em seu livro The Morals of the Markets (A Moral dos Mercados), gerenciar um negócio com prejuízo costuma ser uma maneira muito tola, até estúpida, de fazer filantropia.

Para aqueles que prezam a participação na política em vez do envolvimento na indústria e comércio, vale lembrar que a primeiro pode fazer um grande mal e raramente faz muito bem. Voltaire, escrevendo antes de Smith, enxergou a diferença com clareza. Em seu ensaio “Sobre o Comércio” em Cartas sobre a Nação Inglesa (escrito por Voltaire em Inglês, língua na qual era fluente, e depois reescrito por ele em francês e publicado como Cartas Filosóficas), ele observa que:

Na França, o título de Marquês é dado de graça para qualquer um que o aceite, e quem chega a Paris vindo do meio da Província mais remota com o Dinheiro em sua Bolsa, e um Nome terminando em ac ou ille, pode se pavonear e dizer, Um Homem como eu! Um Homem da minha Classe e Figura! E pode olhar para um Comerciante com soberano Desprezo; enquanto o Comerciante do outro Lado, por muitas vezes ouvir sua Profissão tratada com tal desdém, é Tolo o suficiente para corar.

No entanto, não posso dizer qual é mais útil para uma Nação, um Senhor, pulverizado na última Moda, que sabe exatamente em quais Horas o Rei se levanta e vai para a cama, e que dá-se Ares de Grandeza e Estado, ao mesmo Tempo que age como o Escravo no Antecâmara de um primeiro Ministro, ou um Comerciante, que enriquece seu País, despacha pedidos do seu escritório para Surat e para o Grande Cairo e que contribui para a felicidade do mundo.

Os comerciantes e capitalistas não precisam corar quando os nossos políticos e intelectuais contemporâneos os olham com desprezo e se pavoneiam em público, censurando isso e criticando aquilo, ao mesmo tempo exigindo que os comerciantes, capitalistas, trabalhadores, investidores, artesãos, agricultores, inventores e outros produtores produtivos criem a riqueza que os políticos confiscam e da qual os intelectuais anticapitalistas se ressentem, mas consomem avidamente.

Os mercados não dependem de, ou pressupõem, pessoas que agem de forma egoísta, não mais do que a política faz. Nem as
trocas de mercado encorajam comportamentos ou motivações mais egoístas.

Mas, ao contrário da política, o livre comércio faz gerar riqueza e paz, condições nas quais a generosidade, amizade e amor florescem. É uma ideia que merece ser defendida, como Adam Smith bem sabia.


Tom G. Palmer é autor e teórico libertário, membro sênior do Cato Institute e vice-presidente de Programas Internacionais da Atlas Network.

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