Seja em conversas casuais com amigos, na fila do banco, ou em sala de aula, nĂŁo foram poucas as vezes que vocĂȘ ouviu os mitos abaixo.
Como se tivessem vida prĂłpria, eles sĂŁo reproduzidos sem muito questionamento, como se fossem verdades autoevidentes irrefutĂĄveis questionĂĄ-los pode significar receber a pecha de ignorante.
E, assim, pouco a pouco, vĂŁo perigosamente influenciando o imaginĂĄrio coletivo do Brasil com consequĂȘncias desastrosas.
Enquanto o nosso paĂs acreditar quase que em unĂssono em coisas que simplesmente nĂŁo sĂŁo verdade, estaremos fadados a eleger polĂticas que no melhor dos casos nĂŁo funcionam e no pior causam ainda mais dano, como os sete mitos abaixo.
Na dĂ©cada de 70, o economista Edmar Bacha escreveu uma fĂĄbula sobre Belindia. Na narrativa, Bacha conta a histĂłria de um economista que, viajando para um reino distante, Ă© contratado pelo rei local a fim de calcular o PIB do paĂs.
Analisando os dados do competente departamento de estatĂstica da pequena nação, o economista imaginĂĄrio rapidamente notou que o paĂs parecia efetivamente ser dividido em dois. Um em que as pessoas eram ricas e sua renda crescia sem parar, parecido com a BĂ©lgica, e outro recheado de pobres com a renda estagnada, como a Ăndia dos anos 70.
A fĂĄbula, Ă© claro, era um retrato do Brasil setentista e foi uma descrição acurada do nosso paĂs atĂ© a inflação ser debelada pelo Plano Real. PorĂ©m, partindo dessa premissa, muita gente resolveu dar um grande salto lĂłgico: nĂŁo Ă© que o Brasil Ă© pobre, o nosso grande problema sĂŁo os nossos belgas, seres incapazes de abrir mĂŁo de um pouco da sua riqueza e vĂȘ-la distribuĂda entre os indianos.
Honestamente, seria fantĂĄstico que o Brasil pudesse resolver tantos problemas sociais apenas distribuindo renda, o grande problema Ă© que o Brasil nĂŁo tem tanta renda assim para ser distribuĂda.
Imagine que vocĂȘ, leitor, more em uma casa com quatro pessoas. VocĂȘ, seu cĂŽnjuge, e dois filhos. Para a renda familiar da sua unidade residencial lhe enquadrar entre os 20% mais ricos do paĂs, Ă© necessĂĄrio apenas que vocĂȘ e seu companheiro tenham um emprego que lhes pague 2.400 reais/mĂȘs.
Para entrar nos 10% mais ricos vocĂȘ e ele/ela devem ganhar cada um 3.800 reais; ainda muito longe da faixa âmais ricaâ do Imposto de Renda.
Os nĂșmeros nĂŁo mentem, o Brasil Ă© um paĂs muito pobre. A renda mediana per capita do trabalhador das seis regiĂ”es metropolitanas pesquisadas pelo IBGE na Pesquisa Mensal de Emprego (Recife, Salvador, SĂŁo Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre) era, em dezembro do ano passado, de apenas 844 dĂłlares jĂĄ equiparados ao poder de compra dos EUA. Este valor Ă© inferior ao que ganha o um americano que faça uma jornada de 40 horas de trabalho ganhando apenas o salĂĄrio mĂnimo do paĂs, e te torna elegĂvel a se cadastrar em programas sociais como o Food Stamp.
De fato, alguém que estå nos 20% mais ricos daqui tem chances reais de estar abaixo da linha pobreza americana. Com um agravante, os pobres daqui não tem ar-condicionado, tv a cabo, e carros como os pobres de lå.
VocĂȘ jĂĄ deve ter visto essa imagem no seu livro de histĂłria ou geografia do Ensino Fundamental:
Ela provavelmente teria como legenda: âo ĂȘxodo rural traz consigo diversos problemas sociais, como a pobreza e o crescimento das periferias nas cidades.â
O ĂȘxodo rural Ă© provavelmente um dos fenĂŽmenos mais mal compreendidos do Brasil. Um caso clĂĄssico de enxergar apenas a superfĂcie de um problema social complexo.
Ă Ăłbvio que se pessoas em situação de pobreza se mudam para sua cidade vocĂȘ terĂĄ mais pessoas em situação de pobreza vivendo nela, todavia, isso nĂŁo deveria ser encarado como um problema. Ao menos se sua intenção Ă© ajudar os pobres.
Pode ser chato para muita gente ter que conviver com habitaçÔes irregulares na paisagem, mas para quem lĂĄ vive, aquela pode ser uma oportunidade Ășnica de escapar da pobreza. NĂŁo Ă© sem motivo que as pessoas saem do campo, viver lĂĄ, no geral, significa viver pior.
Pense sĂł, uma das metas do programa Luz no Campo do governo FHC era levar para trĂȘs milhĂ”es de residĂȘncias um item que atĂ© o mais pobre dos moradores da cidade tinha no inĂcio dos anos 2000: energia elĂ©trica. NĂŁo conservar alimentos numa geladeira, assistir televisĂŁo e relaxar a mente, ou simplesmente aproveitar a noite sem correr o risco de incendiar sua casa no processo eram impossĂveis para o agricultor.
O Brasil Ă© um paĂs pobre e a nossa zona rural puxa a mĂ©dia para baixo. De fato, em 2008, o PIB per capita da agropecuĂĄria era trĂȘs vezes menor que o nacional.
A produtividade rural ainda Ă© baixa em diversas cidades nos quais o trabalho manual ainda Ă© a principal fonte de renda dos agricultores. Ao contrĂĄrio do que geralmente Ă© sugerido, a mecanização pode ser uma força promotora da permanĂȘncia do cidadĂŁo no campo ao elevar a renda desta parte população atravĂ©s do aumento da sua produtividade.
De acordo com o estudo âA persistĂȘncia da migração rural-urbanaâ realizado por dois pesquisadores da Embrapa, â[âŠ] a tecnologia de mĂĄquinas e equipamentos permite que o Brasil expanda a ĂĄrea cultivada em pastagens. Elas sĂŁo importantes para implementar a conservação de solos e a agricultura de precisĂŁo. A elevada produtividade da terra requer que as operaçÔes de plantio, de combate Ă s pragas e doenças, de manejo da lavoura, etc. sejam feitas dentro de calendĂĄrio estrito, portanto, com rapidez e capricho. TĂ©cnicas manuais nĂŁo permitem que isso aconteça. Acrescem-se a proteção Ă saĂșde do trabalhador, redução do esforço que o trabalho requer e o fato de que a mecanização propicia ambiente mais saudĂĄvel, evitando os efeitos do sol, chuvas e da poeira sobre os trabalhadores.â
Se o governo realmente estĂĄ interessado em diminuir o ĂȘxodo rural, deveria permitir que a iniciativa privada tomasse conta da infraestrutura do paĂs, facilitando a exportação de produtos agropecuĂĄrios, e, consequentemente, elevando os salĂĄrios do trabalhador rural. Ademais, tambĂ©m deveria permitir que o pequeno proprietĂĄrio pudesse adquirir mĂĄquinas e outras tecnologias para sua lavoura, acabando com as barreiras a importação desses equipamentos que existem em nosso paĂs.
Enquanto isso, simplesmente culpar a possibilidade de fuga das pessoas da pobreza de milhĂ”es de pessoas, ajudando a construir polĂticas pĂșblicas errĂŽneas, nĂŁo ajudarĂĄ muita coisa. As cidades nĂŁo criam pobres, elas atraem aqueles que estĂŁo ansiosos por uma vida melhor.
O morador mĂ©dio da pequena cidade de Salgadinho no interior da ParaĂba que migra para o Morro da Dona Marta no Rio de Janeiro, estĂĄ escapando de um Ăndice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerado âbaixoâ pelas NaçÔes Unidas para um que Ă© mĂ©dio. De fato, hoje, Salgadinho ostenta o mesmo IDH que o Dono Marta tinha em 2000!
O economista da Universidade de Harvard Edward Gleaser hĂĄ um tempo jĂĄ resumiu bem a questĂŁo. O problema nĂŁo sĂŁo cidades, a verdade Ă© que ânĂŁo hĂĄ futuro nenhum na pobreza rural.â
Tudo bem, o Brasil Ă© um paĂs pobre, em que as pessoas fogem para os grandes centros urbanos para escaparem da pobreza extrema, e o meio de sairmos dessa Ă© protegendo nosso mercado e subsidiando as indĂșstrias brasileiras, assim elas poderĂŁo produzir produtos de âalto valor agregadoâ em vez de os importamos, certo?
Bem, veja o exemplo de Hong Kong. Uma ilha minĂșscula, que, para complicar ainda mais, tem 40% de todas as terras do paĂs destinadas Ă reservas naturais e parques. 41% das exportaçÔes da ex-colĂŽnia britĂąnica sĂŁo metais como ouro, prata e cobre, isto Ă©, matĂ©ria-prima com pouco valor agregado, diferente de circuitos integrados que representam menos de 2% da pauta de exportaçÔes e usam estes mesmos metais para serem produzidos.
Esse fenĂŽmeno Ă© fruto direto da polĂtica de livre comĂ©rcio unilateral com o mundo inteiro que a ilha adota. NĂŁo existem impostos de importação, quotas, ou uma indĂșstria protegida; ainda assim o PIB per capita da ilha Ă© 20 mil dĂłlares maior que o do paĂs high-tech exportador de carros, mĂĄquinas, e equipamentos eletrĂŽnicos conhecido como o JapĂŁo.
Coisa parecida ocorre na Nova Zelùndia. Com um PIB per capita quase quatro vezes maior que o brasileiro, o produto que eles mais exportam é leite (15% da pauta de exportaçÔes). O segundo, carne de ovelha e bode (5.68%). De fato, boa parte das exportaçÔes da Terra Média são produtos agropecuårios. Os produtos mais exportados pela Austrålia são minério de ferro e carvão. No Chile, cobre.
A tara por fazer carros e eletrĂŽnicos brasileiros Ă© antiga. Joaquim Murtinho e EugĂȘnio Gudin foram taxados de atrasados, âagriculturistasâ, por Rui Barbosa e Celso Furtado por se recusarem a defender incentivos para a âmanufaturaâ. Como se argumentassem que o brasileiro deveria viver longe da modernidade, esquecendo que o comĂ©rcio Ă© uma mĂĄquina em que vocĂȘ planta banana e colhe televisĂ”es de LCD.
O Brasil nĂŁo precisa fazer televisĂ”es de LCD. Na verdade, Ă© provĂĄvel que nĂłs sejamos terrĂveis nisso. NĂŁo temos know-how, engenheiros e infraestrutura. Para completar, nossas fĂĄbricas de eletrĂŽnicos ficam isoladas em Manaus, acessĂveis apenas por barco e longe do pĂșblico consumidor.
HĂĄ mais de 300 anos David Ricardo parecia estar olhando para o Brasil quando argumentou que vocĂȘ nĂŁo precisa ser bom em tudo para enriquecer. Basta focar naquilo que vocĂȘ comparativamente saber fazer de melhor, naquilo que vale mais a pena vocĂȘ produzir, e usar isso como uma vantagem.
Imagine que uma televisĂŁo de LCD custe 1 tonelada de bananas. Ora, se vocĂȘ consegue plantar uma tonelada de bananas gastando menos tempo e dinheiro do que gastaria para fazer uma televisĂŁo de LCD, entĂŁo, vale mais a pena plantar as bananas e trocĂĄ-las com alguĂ©m que nĂŁo sabe plantar bananas, mas gosta delas, e Ă© o ninja do cristal lĂquido.
NĂŁo se esqueça, todos os investimentos que vocĂȘ quer que o estado faça para produzirmos televisores tem um custo, que devem ser somados aos que teremos quando desviarmos recursos da produção daquilo que somos bons para aquilo que somos ruins.
Pense sĂł, vocĂȘ queria estar sentando numa mina de ouro ou aprendendo a fazer semicondutores? Todo nosso sonho Ă© poder ser rico apenas por estar no lugar certo. Se industrializar foi uma opção dos paĂses que nĂŁo tinham um solo fĂ©rtil, nem minĂ©rios, nem qualquer outra riqueza natural. PaĂses como a Noruega, Nova ZelĂąndia, AustrĂĄlia, etc. entenderam os princĂpios e vantagens do comĂ©rcio e passaram a agradecer a dĂĄdiva que a natureza os deu de serem ricos sem esforço.
De acordo com o DataSUS, apenas em 2013, 42 mil pessoas foram mortas no trĂąnsito brasileiro. No ano anterior, 188 mil tinham se ferido gravemente. SĂŁo nĂșmeros digno de uma guerra, comparĂĄveis apenas aos da violĂȘncia urbana em nosso paĂs.
Muita gente acha que o maior culpado para a mortandade no trĂąnsito Ă© o âmotorista brasileiroâ. Ajuda a reforçar essa impressĂŁo jovens serem o grupo etĂĄrio que mais se envolve em acidentes de trĂąnsito e o fato do Brasil matar bem mais em acidentes do que o resto do mundo.
Ă algo que os nossos polĂticos e burocratas parecem concordar. Nos Ășltimos anos o governo federal foi prĂłdigo em sancionar leis e resoluçÔes que tornam mais duras as regras de trĂąnsito e a formação do motorista. Desde a exigĂȘncia do farol baixo aceso nas rodovias, passando pelo aumento em mais de 50% valor das multas, atĂ© a obrigatoriedade do uso de simuladores em autoescolas.
Ăbvio que a ideia nĂŁo estĂĄ de todo errada. Se um motorista realiza uma ultrapassagem indevida e causa um acidente, a culpa Ă© dele. Mas resumir toda a questĂŁo a apenas um dos elementos Ă© um erro que pode ser literalmente fatal.
Um relatĂłrio recente do Banco Mundial, apontou que a âculpabilização da vĂtima [de um acidente de trĂąnsito]â Ă© um dos entraves para reformas efetivas que garantiriam a segurança nas vias. Ainda de acordo com o estudo, as estradas brasileiras nĂŁo sĂŁo seguras e nĂŁo admitem que motoristas sĂŁo humanos e podem cometer falha. Resultado? Mais mortes.
Pense por um segundo como Ă© comum a falta de acostamentos ou como barreiras feitas de concreto dividem rodovias. Um estudo recente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) mostrou que 77,9% das estradas brasileiras tem âproblemas de geometria de via, como falta de acostamento ou faixa adicional em subida, curvas perigosas e danos em pontes e viadutosâ.
De fato, nĂŁo sĂŁo poucas as estradas que se tornaram catalizadores para sinistros graças a ineficiĂȘncia estatal. Bastou a BR-040 ser privatizada e receber sinalização, novas placas, e ter uma equipe que rapidamente retirava automĂłveis quebrados da via para o nĂșmero de acidentes cair 27%. O mesmo ocorreu no Corredor Dom Pedro que viu o seu nĂșmero de Ăłbitos cair 64% em seis anos com os investimentos feitos pela concessionĂĄria.
O estudo do Banco Mundial tambĂ©m lembra que 77% das estradas estĂŁo nas mĂŁos dos munĂcipios, mas sĂŁo poucos os que tem recursos para mantĂȘ-las; sendo comum os investimentos serem baseados naquilo que vai dar mais popularidade para o prefeito, e nĂŁo o que vai trazer mais segurança aos motoristas e pedestres.
AlĂ©m disso, o uso excessivo do modal rodoviĂĄrio para se transportar cargas e pessoas tem sua parcela de culpa. AtĂ© mesmo a falta de transporte pĂșblico â seja individual ou coletivo â acessĂvel influĂȘncia os nĂșmeros. Um estudo feito por dois economistas, Angela K. Dills e Sean E. Mulholland, da Western Carolina University, analisou 150 cidades em que o Uber passou a atuar, e concluiu que a chegada do serviço numa cidade levava a redação no nĂșmero de acidentes com vĂtimas fatais.
Vale lembrar tambĂ©m que os carros vendidos no Brasil sĂŁo notoriamente mais inseguros que suas contrapartes europeias ou americanas. Reportagem da Associated Press hĂĄ trĂȘs anos mostrou como âos carros mais populares estĂŁo 20 anos atrasados em comparação aos dos paĂses industrializados, e abaixo dos padrĂ”es globaisâ.
Isto é, além de se acidentar mais, o brasileiro se acidenta pior.
NĂŁo Ă© muito difĂcil imaginar porque tanta gente acredita nesse mito. Universidades privadas nĂŁo sĂŁo exatamente baratas, ainda por cima para quem estĂĄ entre os 20% mais pobre do paĂs, que, como vocĂȘ descobriu no primeiro item deste artigo, definitivamente nĂŁo tem dinheiro.
O grande problema Ă© que os nĂșmeros nĂŁo batem. As chances de um jovem que mora em uma famĂlia com renda per capita de R$ 250/mĂȘs conseguir entrar em uma universidade pĂșblica sĂŁo praticamente nulas. Enquanto isso, jovens com uma renda familiar per capita de R$20 mil/mĂȘs tem 40% de chance de chegarem lĂĄ.
O filtro do vestibular Ă© intransponĂvel para muita gente que vem da escola pĂșblica e tem que concorrer com o ensino de qualidade das escolas privadas.
Uma pesquisa feita pela Fundação Lemann com jovens que terminaram o ensino mĂ©dio teve um resultado estarrecedor. Com 80% deles tendo sido formados em escolas pĂșblicas, eles ânĂŁo dominam conteĂșdos bĂĄsicos da matemĂĄtica, tĂȘm dificuldades com estimativas de valores, com cĂĄlculos de descontos e reajustes e para ler planilhas e grĂĄficosâ.
Isso faz com que boa parte dos 20% mais pobres que estĂŁo no Ensino Superior frequentam instituiçÔes de ensino privadas. De fato, boa parte das pessoas que estĂŁo no ensino superior estĂŁo em instituiçÔes privadas, como mostra o Censo da Educação Superior de dois anos atrĂĄs. Apesar de custarem bilhĂ”es de reais ao povo brasileiro por ano, as instituiçÔes pĂșblicas de ensino tĂȘm menos de ÂŒ dos alunos.
Diante de tamanha evidĂȘncia dos nĂșmeros, economistas de esquerda mentiram com estatĂsticas a fim de ludibriar o pĂșblico leitor. Em artigo publicado na Carta Capital, o economista Bruno Mandelli afirma que, âO ensino pĂșblico Ă© elitizado, mas nĂŁo hĂĄ nada que indique que o sistema privado de ensino superior seja mais popular.
[âŠ] os estudantes que faziam parte dos 20% mais pobres da população brasileira representavam 7% dos estudantes do ensino superior pĂșblico e apenas 3,4% do ensino superior privado. Ou seja, os âmais pobresâ estĂŁo nas universidades pĂșblicas no dobro da proporção verificada nas privadas. â
Ao nĂŁo pĂŽr os nĂșmeros brutos na mesa, Mandelli tenta induzir o leitor a acreditar que as instituiçÔes estatais recebem mais pessoas em situação de pobreza do que as privadas. Todavia, no ano em questĂŁo, 2013, 182.697 pessoas que pertencem ao 20% mais pobres do paĂs estavam matriculadas em faculdades e universidades privadas, enquanto na rede pĂșblico o mesmo nĂșmero era de 135.276 pessoas.
Isto Ă©, em apenas um ano, a rede privada atendeu cerca de 47 mil pessoas a mais do que sua contraparte estatal. Com um âporĂ©mâ. Um aluno de uma universidade estatal consome em recursos pĂșblicos o equivalente a quatro alunos do ensino bĂĄsico.
Experimente colocar no Google âBrasil tem leis avançadasâ. VocĂȘ verĂĄ um festival de elogios a legislaçÔes que simplesmente sĂŁo impossĂveis de serem postas em prĂĄtica.
O constitucionalista italiano Luigi Ferrajoli vĂȘ a constituição brasileira como uma das cartas magnas mais avançadas do mundo devido ao seu conteĂșdo programĂĄtico. O pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa, da Unicef, enxerga o Estatuto da Criança e do Adolescente âcomo [uma] legislação avançada porque traz para o interior do panororama legal brasileiro o que existe de melhor nas normas internacionais.â
Com tanta legislação boa o que faltaria para nĂłs sermos um paĂs de primeiro mundo? âFalta fiscalização do poder pĂșblico e conscientização da populaçãoâ, nas palavras de Ana Maria Barbosa, da Rede Saci, organização nĂŁo-governamental de difusĂŁo de informaçÔes sobre deficiĂȘncia, ao comentar como a legislação brasileira sobre a pessoa com deficiĂȘncia era âavançadaâ.
Pode nĂŁo parecer, mas ter tantas leis e burocracia que nĂŁo entram em contato com a realidade tem custos visĂveis e invisĂveis.
Um aparato estatal tĂŁo grande exige da sociedade uma contrapartida do mesmo tamanho, tornando o Brasil um dos paĂses em desenvolvimento com a carga tributĂĄria mais alta do mundo! Com tantos impostos em cima de pessoas tĂŁo pobres, fica difĂcil poupar, investir, e gerar crescimento econĂŽmico.
Resultado? A carga tributĂĄria nunca Ă© o suficiente para atender todas as demandas do estado e tem que ser continuamente aumentada, diminuindo a capacidade do brasileiro engendrar o processo econĂŽmico, e levando ao estado ter que pegar ainda mais dinheiro para fechar suas contas, em um cĂrculo vicioso terrĂvel.
Para atender o programa da Constituição de 88, jå aumentamos a carga tributåria em 10% e provavelmente teremos que aumentar em outros dez nos próximos anos se nada for feito.
AlĂ©m disso, ao querer fazer tudo, o estado brasileiro acaba por fazer nada, e Ă© o paĂs que menos dĂĄ retorno a população em proporção aos tributos pagos.
Fora tudo isso, tantas leis e burocracias, tentando regular cada espectro da atividade humana em nosso paĂs, obrigam empreendedores a perder mais tempo lidando com papel do que com os seus clientes.
A criação de tributos especĂficos â PIS, CSLL, COFINS, INSS â para bancar a âavançadaâ Seguridade Social brasileira pode ter parecido uma boa ideia em algum momento, mas hoje contribui para o empreendedor brasileiro ser entre os latino-americanos o que mais gasta tempo, quase 10x a mĂ©dia da regiĂŁo, organizando os documentos necessĂĄrios para pagar estas contribuiçÔes.
PolĂticos nĂŁo tem uma caneta mĂĄgica. Criar uma lei simplesmente nĂŁo muda a realidade, de fato, Ă© provĂĄvel que tentar resolver problemas sociais complexos de cima para baixo, como leis tentam, os piorem.
Imagine que todas as polĂticas pĂșblicas do Brasil sĂŁo feitas de maneira uniforme, para todos os brasileiros, de Oiapoque ao ChuĂ, independentemente de suas realidades locais. O Bolsa FamĂlia sĂł se tornou um programa bem-sucedido porque rompeu com essa lĂłgica e colocou o dinheiro direto na mĂŁo do necessitado, deixando a cargo dele, e nĂŁo de uma lei, decidir o que era mais âavançadoâ naquele momento.
Simplesmente acreditar que uma lei darĂĄ certo ou Ă© esteticamente agradĂĄvel nĂŁo a torna melhor, nossas leis tĂȘm que procurar resultados, nĂŁo intençÔes. Isso nĂŁo Ă© algo novo. Ainda em 1731, ao investigar o declĂnio das naçÔes muçulmanas, o pensador e inventor turco Ibrahim Muteferrika arrematou:
âPor que as naçÔes cristĂŁs que eram tĂŁo fracas no passado em comparação com as muçulmanas começaram a dominar tantas terras nos tempos modernos e atĂ© derrotaram o antes vitorioso exĂ©rcito otomano? Porque eles tĂȘm leis e regrasinventadas pela razĂŁoâ
VocĂȘ consegue imaginar o Brasil sem tanta roubalheira? Com hospitais e escolas sendo construĂdos sem superfaturamento e os fiscais do governo mandando para cadeia os que tentarem corrompĂȘ-los? Certamente serĂamos um paĂs melhor, mas nĂŁo tĂŁo melhor quanto comumente acreditamos.
A corrupção custa em mĂ©dia 2% do nosso PIB por ano. Coisa de 100 bilhĂ”es de reais. EliminĂĄ-la certamente ajudaria na nossa economia e nos faria uma nação moralmente melhor, ainda assim, boa parte dos nossos problemas persistiriam, como os acionistas da Petrobras descobriram do pior jeito possĂvel.
A estatal petrolĂfera sofreu com um dos maiores esquemas de corrupção institucionalizada que se tem notĂcia na histĂłria do mundo.
De acordo com a acusação do MinistĂ©rio PĂșblico Federal, foi criado no seio da companhia uma operação institucionalizada a fim de garantir que todo e qualquer gasto fosse superfaturado e gerasse recursos para o caixa dos partidos que estavam no governo, notoriamente o PT, e as conta-correntes de envolvidos no esquema.
A PolĂcia Federal estima que o esquema deu 42 bilhĂ”es de reais em prejuĂzo a Petrobras. Um nĂșmero certamente impressionante, mas menor que os R$ 98 bilhĂ”es de perda causados pela polĂtica de nĂŁo reajustar o preço dos combustĂveis a fim de nĂŁo pressionar os Ăndices de inflação entre 2011 e 2014.
De fato, uma mĂĄ gestĂŁo pode ser muito pior que qualquer escĂąndalo de corrupção. A fraude fiscal que Dilma Rousseff cometeu e a levou ao impeachment nĂŁo envolveu diretamente o enriquecimento dos envolvidos. Todavia, suas consequĂȘncias foram bem mais graves pondo milhĂ”es no desemprego, na pobreza, e criando uma crise econĂŽmica e polĂtica que desestabilizou o paĂs.
Como o economista Carlos GĂłes, do FMI e do Instituto Mercado Popular, argumentou âprĂĄticas fiscais [como as feita por Dilma] tĂȘm consequĂȘncias sociais muito mais profundas do que episĂłdios especĂficos de enriquecimento ilĂcitoâ
O nosso maior problema é o fato do estado estar envolvido em cada aspecto das nossas vidas, acarretando em vårios outros entraves, inclusive, a corrupção.
Oficiais são subordinados para liberarem um alvarå porque o estado exige um alvarå em primeiro lugar. Só hå corrupção em estatais porque, bem, hå estatais!
Com tantas oportunidades de negĂłcios lucrativos sem muito esforço, pessoas mal-intencionadas naturalmente voltarĂŁo seus esforços para o controle da mĂĄquina estatal. E capciosamente usaram parte dos lucros e poderes auferidos no processo para se eternizar dentro do estado, em um cĂrculo vicioso difĂcil de escapar.
Se vocĂȘ quer ver menos polĂticos roubando, tem que combater a causa, o excesso de poder e dinheiro concentrado nas mĂŁos de pessoas que tem pouco a perder caso ajam de forma irresponsĂĄvel, e nĂŁo os sintomas.
Este artigo nĂŁo necessariamente representa a opiniĂŁo do SFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussĂ”es sobre a liberdade, representando uma mirĂade de opiniĂ”es. Se vocĂȘ Ă© um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected] ou [email protected].