Italo Cunha, Ivanildo Santos Terceiro, Lucas Bellinello, Nicholas Leviski, e Raphael Ryutaro Sakamoto | 29 de janeiro, 2018 [atualizado em 6 de março, 2019]
Em época de debates sobre a previdência, ainda há pouca informação sobre o tema condensada em um único lugar. Muitas pessoas tendem a olhar a ideia com certa estranheza e até fazem-se irredutíveis, adotando premissas como “nenhum direito a menos” ou “não abro mão de um direito fundamental”. No entanto, é preciso analisar o problema de forma ampla, entender o que é a previdência atualmente, o porquê de uma reforma, e as opções que estão além do sistema.
A Constituição estabelece no Art. 201 que:
A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
Assim, a previdência social é um seguro público, coletivo e compulsório inserido do sistema de seguridade social brasileiro [veja abaixo o que isso significa]. O fato da previdência ser compulsória importa diretamente na sua vida, dado que isso faz com que:
O chamado Regime Geral de Previdência Social (RGPS) não é o único sistema de aposentadorias e pensões administrado pelo Governo Federal. Também saem do caixa da União:
Nenhum dos três regimes (geral, próprio, e militar) é capaz de se sustentar apenas com as contribuições dos seus membros. Isso faz com que, todos os anos, o Governo Federal destine centenas de bilhões de reais para garantir que as contas fechem – e este valor vem aumentando!
O Regime Geral de Previdência Social está inserido dentro do Sistema de Seguridade Social do Brasil. De acordo com a Constituição, a seguridade social deve assegurar direitos relativos a 3 áreas:
Assim, o orçamento da seguridade social não banca apenas a Previdência e errôneo acreditar que o dinheiro gasto com a previdência pode aumentar sem maiores consequências. Programas como o SUS (dentro da área de saúde) e o Bolsa Família (inserido na assistência social) podem ser diminuídos caso não haja dinheiro suficiente para bancar as aposentadorias, de fato, isso já está ocorrendo.
O custo do sistema de seguridade social brasileiro é bancado por receitas provenientes de três fontes:
A União é responsável por fechar as contas e remanejar quanto dinheiro for necessário para fazer o orçamento da seguridade social fechar.
As contribuições sociais são bancadas por empregados e empregadores. Empregados o fazem através de uma contribuição ao INSS com alíquotas variáveis. Já os empregadores pagam uma série de tributos, como CSLL, COFINS, e são responsáveis por uma contribuição previdenciária de ao menos 20% sobre valor total da folha de pagamento.
São outras fontes de financiamento da seguridade social:
O Brasil adota um sistema previdenciário de repartição simples. Neste sitema, os atuais contribuintes pagam o prêmio dos que já estão aposentados e esperam que no futuro outros contribuintes paguem o seu prêmio. Em resumo, quem entra no sistema paga o investimento de quem é mais antigo e está no topo dele.
Curiosamente, montar um sistema privado parecido com o operado pelo INSS seria crime em nosso país. Um arranjo em que quem está entrando agora só receberá se mais pessoas entrarem e o empurrarem para o topo da “pirâmide” é crime de acordo com a Lei Contra a Economia Popular (Lei nº 1.521/51), assim disposto:
Art. 2º. São crimes desta natureza:
IX – obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (“bola de neve”, “cadeias”, “pichardismo” e quaisquer outros equivalentes);
Formulada na primeira metade do século XX pelo demógrafo americano Frank Notestein a teoria da transição demográfica. afirma que o crescimento populacional ocorre em ciclos de quatro fases:
Desde o início da década de 70, o Brasil passou a viver sua fase de desaceleração, e agora se encontra no início da sua fase estabilização com uma taxa de natalidade menor que o necessário para manter o crescimento populacional.
Isso traz um grande problema para o nosso sitema de previdência social. O número de aposentados está subindo, enquanto o de contribuintes diminuindo, gerando déficits e a necessidade para que cada vez mais dinheiro seja gasto apenas com o pagamento de aposentadorias.
O economista do Insper Marcos Lisboa estima que em 2060, se nada for feito, 1 em cada R$ 4 produzidos no Brasil será gasto apenas com aposentadorias e pensões.
Para ele, a gravidade desta conta se esconde nos detalhes:
Em uma tentativa de contornar o problema, o Governo Federal continuamente vem apresentando proposta de Reforma da Previdência. Desde Fernando Henrique Cardoso, todos os governos tentaram realizar alterações no sistema previdenciário brasileiro dificultando as regras para aposentadoria:
Com este governo não foi diferente. No dia 20 de fevereiro, 2019, o presidente Jair Bolsonaro e o Ministro da Economia Paulo Guedes entregaram ao Congresso uma proposta de Reforma da Previdência. Para Guedes, a necessidade da reforma é urgente: “Se ela tivesse sido feita há dez anos, o Brasil estaria crescendo de 4% a 5% ao ano. Como não fizemos isso, a economia está travada e cheia de problemas fiscais até hoje. “.
Ainda assim, vale salientar, que a reforma proposta pela equipe do governo não resolve o problema, nem torna a previdência superavitária. Neste momento, ela apenas dá um alívio nas contas públicas de alguns anos, tempo que os economistas acreditam ser suficiente para criação das condições políticas para uma ampla reforma.
Estes são os principais pontos da proposta apresentada pelo governo:
Na última década, os gastos da Previdência Social cresceram fortemente ano após ano.
Segundo os dados do Anuário Estatístico da Previdência Social, o crescimento anual médio desse gasto de 2005 a 2015 foi de 5,3%, mais do que o dobro do crescimento do PIB no período, de 2,5%, como mostra o Gráfico 1, abaixo. Esse crescimento fez com que o peso da Previdência sobre o orçamento superasse mais de 40%, limitando a possibilidade de redução de impostos ou investimentos em áreas mais prioritárias, como educação e saúde.
Fonte: AEPS 2005 e 2015; IBGE
Isso decorre de um rápido envelhecimento populacional, que leva a um aumento contínuo da parcela de aposentados, pressionando os gastos previdenciários.
Enquanto o Gráfico 2, abaixo, expõe a razão de aposentados sobre população por faixa de idade, o Gráfico 3 mostra como a população mais idosa tende a crescer cada vez mais rápido, de 8% da população total em 2015 para cerca de 20% em 2060.
Fonte: PNAD 2015
Fonte: Projeções demográficas do IBGE de 2013
Analisando cada despesa da Previdência Social, percebe-se que, de 2005 a 2015, os benefícios que mais cresceram foram os ligados à idade avançada, principalmente os considerados assistências. Entre os que cresceram acima da média do gasto total, como mostra o Gráfico 4, foram: a aposentadoria por idade, aposentadoria rural e os benefícios assistenciais do LOAS.
Fonte: AEPS 2005-2015
Ao analisar o peso de cada um dos benefícios no gasto total da previdência, percebe-se que grande parte dos benefícios cujos gastos têm maior peso são justamente os que mais vêm crescendo, sendo estes: Aposentadoria Urbana por Idade, Aposentadoria Rural por Idade e LOAS/RMV Urbano, cada um representando pouco mais de 10% do custo total da Previdência Social.
Fonte: AEPS 2005 e 2015
É possível fazer uma previsão dos gastos com aposentadoria de acordo com as projeções demográficas a partir de uma decomposição contábil. Em 2015, elas custaram 5,3% do PIB no ano de 2015. Tal despesa pode ser decomposta em três fatores, explicitados abaixo: a proporção de aposentados dentre os idosos (taxa de atendimento); a proporção de idosos dentre a população geral (taxa de dependência-idosos); e a proporção entre o valor médio das aposentadorias e o PIB per capita.
Trata-se de uma igualdade contábil – ou seja, ela é sempre verdadeira. Como os dois primeiros fatores são demográficos e dependem apenas de previsões facilmente acessíveis do IBGE, fica fácil saber que o terceiro fator (a média as aposentadorias em relação ao PIB per Capita) fechou em 46% em 2015. O crescimento do PIB também pode ser estimado por projeções como as do FMI, as mais recentes até agora, e, felizmente, há estimativas até 2021. A partir de então, o crescimento do PIB pode ser simulado com três cenários: um de crescimento de 1,5% ao ano (pessimista), outro de crescimento de 2% ao ano (médio), e outro de crescimento de 2,5% ao ano (otimista). Outra hipótese implícita é de crescimento do valor médio das aposentadorias de 1,5% ao ano, uma estimativa otimista.
O gráfico 6, abaixo, faz a representação gráfica das projeções de gasto com aposentadorias. Segundo os resultados, no melhor cenário, teremos em 2037, 20 anos depois, um gasto com aposentadorias de 8,3% do PIB, três pontos percentuais a mais do que em 2017, em um cenário de congelamento dos gastos federais. No pior dos casos, as aposentadorias custarão 9,6% do PIB, um aumento de mais de 4 pontos percentuais do PIB.
Fonte: AEPS 2015; IBGE; Projeções Demográficas IBGE (2013); PNAD 2015
Com isso, percebe-se que uma reforma da previdência se torna absolutamente urgente, tendo em vista as projeções de crescentes gastos para o futuro. E, como se viu pela composição dos gastos previdenciários, essa reforma deve se concentrar principalmente sobre as aposentadorias por idade, as aposentadorias rurais e o LOAS/RMV, que concentram a maior parte do crescimento do peso da Previdência Social sobre as contas públicas.
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Italo Cunha, Ivanildo Santos Terceiro, Lucas Bellinello, Nicholas Leviski, e Raphael Ryutaro Sakamoto são membros do Students For Liberty Brasil (SFLB).
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