Luan Sperandio | 09 de outubro, 2017
Rodrigo Saraiva Marinho é diretor de operações da Rede Liberdade e um dos nomes mais consagrados da Escola Austríaca. Advogado e professor de direito, ele estará na LibertyCon falando sobre como o ensino jurídico brasileiro é intervencionista. Nesta entrevista, ele tece críticas sobre conceitos jurídicos indeterminados, como função social e interesse público, critica a relativização dos contratos, além de defender o fim da Justiça do Trabalho.
SFLB: Você tem se manifestado que há uma cultura do intervencionismo no ensino jurídico brasileiro. Podemos dizer que os acadêmicos de direito são submetidos a uma doutrinação estatista? Há na academia jurídica brasileira pluralidade de ideias? E isso tem avançado?
SM: Há uma cultura de intervencionismo no direito brasileiro e ela é cada vez mais forte, até por uma questão lógica que há no direito brasileiro – que acho bastante equivocado, mas assim que é ensinado: um problema social acontece e depois vamos criar uma legislação para regular essa situação. Então fica uma cultura de que tudo que existe no Brasil precisa de uma lei para que funcione – o que é um absurdo, de forma geral.
Um grande exemplo disso são Uber, Airbnb, Netflix, Spotify, que são produtos muito bem regulados pelo usuário, e não precisariam de qualquer regulação estatal para funcionar, o que demonstra o equívoco dessa premissa estatista do direito brasileiro.
Já em relação a essa pluralidade de ideias, obviamente não é ideal ainda, mas tem avançado bastante, apesar disso no direito brasileiro, principalmente no direito empresarial, que consegue se livrar dessa sanha estatista, que acontece no direito brasileiro. Tanto a pluralidade de ideias, como o ensino do direito e economia tem avançado no país, aliás.
SFLB: Como a doutrina justifica o dirigismo contratual e a relativização da autonomia da vontade e quais as consequências que se verificam a partir desse intervencionismo aqui no Brasil?
SM: A justificativa para a relativação da autonomia da vontade é que, em tese, as pessoas não estão preparadas para fazerem suas próprias escolhas. Isso funciona numa lógica perversa: já que você não está preparado, vamos colocar alguém que se ache preparado para escolher por você e fazer suas escolhas.
Isso tem uma consequência tremenda porque as pessoas ficam, obviamente, sempre se pautando no que o estado autoriza ou não. A ideia do estado babá. Esse dirigismo contratual, relacionado a autonomia do indivíduo, é exatamente um contraponto a lógica da defesa da menor minoria que existe – que é o indivíduo.
Esse intervencionismo também se justifica por conta da hipossuficiência que você coloca na situação da defesa do consumidor, de fragilidade que se coloca na situação do empregado frente ao empregador. O que por si só é ridículo, a própria pesquisa da Fundação Perseu Abramo demonstrou bem que o maior inimigo do empregado não é o empregador, mas sim o estado, que prejudica tremendamente a forma de funcionamento dessa relação, prejudicando ainda mais as pessoas.
Na prática essa ideia do dirigismo contratual é a famosa boa intenção, não resolve o problema, na realidade só faz agravar, o estado babá prejudica tremendamente as pessoas ao impedi-las de fazer suas próprias escolhas
SFLB: Qual sua opinião sobre a reforma trabalhista? O que justifica a postura de alguns juízes afirmarem que não aplicarão a nova legislação?
SM: A reforma trabalhista não é o ideal, mas melhora bastante a situação do trabalhador especificamente, não do empregador. Primeiro porque dá mais segurança jurídica para quem emprega. Logo, a tendência é que esse empregador contrate mais, melhorando a situação de vida do empregado, favorecendo o emprego, permitindo que há mais opções para isso.
Essa reforma avançou principalmente na parte processual. Aquela pessoa que arrisca ajuizar uma ação, antes da reforma, ela não tinha qualquer risco: não havia custas, não havia ônus de sucumbência. Há o risco agora. Você pode vir a ser condenado a custas e honorários e vai ter de pagar por isso. Isso é um grande avanço dessa reforma.
O fato dos juízes acharem que essa nova legislação não deve ser aplicada é uma reação típica de uma Justiça extremamente dirigente e contrária a autonomia do indivíduo. Exatamente a postura que precisamos reagir.
Isso é feito de uma forma bastante equivocada, estão afirmando que a norma é inconstitucional. Ela não é inconstitucional, ela não viola qualquer doutrina internacional. E, mesmo assim, ela não pode ser considerada previamente inconstitucional. Isso terá de ser julgado no caso concreto e o STF definirá.
A reforma não é perfeita. O ponto da majoração do dano moral é um equívoco, ao meu ver, e deve ser afastado.
SFLB: Por que você defende o fim da justiça do trabalho? Como o sistema funcionaria?
SM: Defendo o fim da JT porque acho que ela é um dos maiores desempregadores do país. Ela tem uma cultura péssima, de dirigismo estatal e contratual, e acho que isso é ruim para o país. É uma justiça de exceção, em que uma parte tem razão e a outra está sempre errada. Os empregados ganham a ampla maioria das demandas judiciais, pedindo coisas muitas vezes indevidas. Temos visto, ao menos esse avanço, litigância de má-fé de quem ajuíza ação contra alguns empregadores. No mundo todo você tem a opção de trabalhar com arbitragem, principalmente com resolução de valores de conta.
Muitas vezes o que se discute na JT é se foi pago férias, 13ª salário… se houver qualquer tipo de questionamento sobre a arbitragem, a questão poderia ser levada ao judiciário, mas não há necessidade de uma justiça especializada para tanto. Poderia ser competência da Justiça Federal.
SFLB: Qual sua opinião a conceitos jurídicos como supremacia do interesse público e função social (do contrato, da propriedade e da empresa)?
SM: quando ouço esses termos como “supremacia do interesse público”, “função social da propriedade”, “interesse nacional”, ‘patrimônio nacional”, eu parafraseo o Murray Rothbard: “olhe seu bolso, está prestes a ser roubado”.
Sempre que alguém fala sobre isso, esse alguém é o maior beneficiado. Em geral, burocratas e políticos são os que ganham muito com essa idéia de normas de conteúdo indeterminado exatamente para se beneficiarem justificando todos os absurdos que fazem.
Falam que é em nome do interesse público. É uma piada. Essa situação prejudica tremendamente as pessoas do país. Na minha visão todos esses conceitos jurídicos indeterminados servem para melhorar alguma argumentação de alguém. Não passa de uma falácia absurda que prejudica aqueles que diz ajudar.
Para quem já estudou James Buchanan e public choice vai entender que esses burocratas estão preocupados com seu próprio interesse. Não estão preocupados com o interesse da população.
SFLB: Diante de tantos problemas no ambiente jurídico brasileiro, o que você recomendaria para alguém que está prestes a iniciar o curso de direito?
SM: Recomendo que estudem o mainstream. Aprendam o que se ensina no direito. Aproveitem seus professores. Tirem boas notas. Mas, além disso, estude em paralelo. Entendam a diferença entre Law e Legislation, civil Law e commow Law… se entenda que a CF-88 está longe de ser algo que funcione ou que seja algo que seja bom, para mim é uma das piores constituições já feitas no Brasil e uma das piores do mundo, é uma constituição muito mal feita.
Se apresente como estudante de direito, crítico, não alguém que faça apologia ao direito atual. Quem estuda tem obrigação de criticar. Obviamente respeitando seu professor e aproveitando o máximo o que ele pode te ensinar.
SFLB: Uma nova Constituição seria a solução?
SM: Não acho que resolveria e acho que a nossa CF pode ser reformada. Já foi tantas vezes, por que não novamente? Ela tem poucos artigos que são clausulas pétreas. O artigo 5º, a forma federativa de poder, o pacto federativo, isso aí é clausula pétrea e não pode ser alterada. Mas há muito o que se fazer nesta constituição. É possível se reformá-la. Esses artigos que não podem ser revogados ou reformados são justamente os que interessam a defesa da liberdade, aos direitos individuais, a federação, isso interessa aos liberais e a quem acredita na defesa da liberdade.
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Esta entrevista não necessariamente representa a opinião do Students For Liberty Brasil (SFLB). O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected].