Andre Freo | 2 de outubro, 2017
Marta Perez/EPA
“A situação de ter que pertencer a um Estado ao qual o indivíduo não quer fazer parte é tão onerosa se resultado de uma eleição quanto como consequência de uma conquista militar“ – Ludwig von Mises
Mises sucintamente já tratou sobre secessão em seu livro Liberalismo, ainda do último século. Mesmo com a mudança de milênio no calendário, a discussão sobre autodeterminação ainda causa divergências sobre a validade de quaisquer atividades que visem a divisão de certo território.
Antes de entrar, de fato, nos argumentos legalistas pela não-secessão que os últimos dias trouxeram a tona, façamos uma breve retomada histórica dos motivos pelos quais a Catalunha avança em seu já antigo anseio por secessão.
Ao usar o direito à autodeterminação como justificativa para a secessão, o que o governo catalão quer dizer é que a região tem o direito coletivo a perseguir a liberdade de determinar seu status político, bem como buscar a mesma liberdade de desenvolver-se econômica, social e politicamente.[1]
Sob a ótica do direito internacional, várias características se desenvolveram ao longo do tempo para definir quem teria o direito a autodeterminação. Mesmas tradições históricas, identidade racial ou étnica, unidade linguística, afinidade religiosa ou ideológica, conexão territorial, vida econômica comum e consistir em um número minimamente considerável de indivíduos são parte intrínseca ao desenvolvimento da autodeterminação frente a comunidade internacional.[2] A população catalã cabe exatamente nesses requisitos.
A vontade do povo, curiosamente, foi mencionado pela primeira vez depois de assinado o Tratado de Madri, em 1526. Naquele momento, o rei francês disse que mudanças no território poderiam ocorrer apenas com o consentimento dos habitantes daquela nação. Referendos, como o do último fim de semana na Catalunha, são considerados meios para determinar a vontade da população. Portanto, referendos foram determinantes em várias situações, incluindo no Togo, Camarões, Ruanda-Burundi, Samoa Ocidental e Timor-Leste.
Por outro lado, a Inglaterra, em relação a Gibraltar, insistiu que não colocaria a região sob a soberania de outro estado se a livre vontade e manifestação da população de Gibraltar indicasse outra decisão.[3] De maneira similar, a mesma Inglaterra também manifestou-se sobre as Ilhas Malvinas: “deve ser decisão dos moradores das ilhas decidir qual o status constitucional da região.”’[4]
Ainda, a alegação do governo central espanhol de que por dispor a constituição explicitamente o contrário daquilo que Puigdemont tirou do papel no último fim de semana, é infundada. Secessões unilaterais podem ocorrer sem a existência de previsões constitucionais se precedidas de tentativas de negociação política, que falham em último caso.[5]
Utilizando um pouco mais de direito internacional, o governo espanhol falhos nas suas obrigações sob a International Covenant on Civil and Political Rights ao falhar em prover um mecanismo que garantisse que a autodeterminação em questão fosse garantida internamente sem conflitos. Ao tratar os separatistas como inimigos do Estado e autorizando a repressão policial – que deixou 844 feridos ontem, gera quebra inegável do Artigo 2º da convenção supracitada.
E mesmo sem que o governo espanhol recuse-se a aceitar a legitimidade do referendo, um dos mais famosos casos de tentativa de secessão da história, o de Quebec em 1995, deixa claro que Madri não tem esse direito. No Canadá, a opinião da Corte quando referenciando a secessão especificamente, confirmou que a obrigação de negociar com os separatistas deveria ser precedida de uma “decisão da maioria da população de Quebec, por meio de uma questão específica sobre a secessão.”[6]
Finalmente trazendo de volta aos argumentos contrários à secessão dentro do movimento liberal, vale a referência espelhada no referendo secessionista escocês de 2014. À época, liberais argumentaram que seriam contrários ao referendo baseando-se no fato de que a possível secessão criaria mais um governo e, ao invés de um, teríamos dois estados. Contudo, reduzir o tamanho e o escopo de um estado é saudável para a liberdade, por deixar mais próximo do indivíduo o seu direito a autodeterminação no nível pessoal, garantindo soberania sobre nossas próprias vidas. Sempre é positivo reduzir o número de indivíduos sob os quais um governo assegura autoridade.
Não suficiente, alguns conservadores utilizaram-se de uma argumentação um pouco diferente para ser diametralmente contra o referendo e a secessão. Em sua visão, tanto o movimento escocês da época, quanto o atual movimento catalão poderiam gerar um governo mais à esquerda do que os respectivos governos bretão e espanhol.
Contudo, se o apoio ao direito à autodeterminação tem algum sentido, é imprescindível permitir que se tomem decisões com as quais discordamos. Competição política impreterivelmente beneficia a todos. O que nem conservadores, nem estatistas entendem – ou pior, até devem entender – é que secessão provê um mecanismo de diversidade real, um mundo onde não necessariamente precisamos estar casados com um estado que não nos representa. Provê um caminho para que pessoas de opiniões e interesses divergentes vivam em paz como vizinhos, em vez de sofrer um único governo central que atira contra a própria população quando alegadamente ameaçado.
De longe, por fim, fica o pedido de que secessão vire moda, e o cumprimento ao povo catalão: ¡Visca Catalunya lliure i sobirana!
[1] Art. 1(2) e 55 da Charter of the United Nations (San Francisco, 26 June 1945), 3 Bevans 1153, 59 Stat. 1031, T.S. No. 993 [ hereinafter UN Charter]; Article 1 of ICCPR, supra note 19; and; Art. 1 of ICESCR
[2] C.f. R McCorquodale, ‘Self-Determination: A Human Rights Approach’ (1994) 43 ICLQ 857, 866, n 5; R White, ‘Self-Determination: Time for a Re-Assessment?’ (1981) 28 Netherlands International Law Review 147, 163, n 52, citando um relatório da International Commission of Jurists, The Events in East Pakistan (ICJ, 1972), 70.
[3] C.f. Antonio Cassese, Self-Determination of Peoples: A Legal Reappraisal (1999),
[4] C.f. Visuvanathan Rudrakumaran, The “Requirement” of Plebiscite in Territorial Rapprochement, 12 Hous. J. Int’l L. 23 (1989).
[5] 35 Loy. L.A. Int’l & Comp. L. Rev. 343
[6] Reference re Secession of Quebec, [1998] 2 SCR 217, 161 DLR (4th) 385 [Secession Reference].
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Andre Freo é membro do Clube Farrouplha e Diretor de Programas do Students For Liberty Brasil.
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