Cecília Lopes: a defesa da dignidade da mulher não é monopólio da esquerda

Luan Sperandio | 27 de setembro, 2017

Cecília Lopes é coordenadora local do Rio de Janeiro. Na LibertyCon Brasil 2017 ela conduzirá um painel sobre o feminismo libertário. Nesta entrevista ela fala sobre feminismo e as dificuldades que as mulheres tem ainda no século XXI.

SFLB: Como você conheceu as ideias da liberdade e quais suas principais referências intelectuais

Sempre fui muito interessada em questões políticas e sociais, mas não me enquadrava no que entendia por esquerda (liberdades individuais e condenação ao sistema que as proporcionou) nem por direita (livre mercado mas com opressão social). Então, um belo dia, fiz um teste de coordenadas políticas e me descobri liberal; procurei por autores e me encontrei intelectualmente ao ler Hayek. Daí foi um passo para me inserir no ativismo pela liberdade, onde me encontro muito feliz atualmente.

Outros autores(as) que norteiam meu pensamento são o casal John Stuart Mill e Harriet Taylor, Milton Friedman, John Locke, Sharon Presley, Deirdre McCloskey e o poeta português e liberal Fernando Pessoa.

SFLB: O que é o feminismo libertário e em que ele difere do feminismo que vemos?

Primeiramente é preciso compreender a dinâmica do movimento feminista. Existem diversas vertentes dentro do feminismo que, apesar de convergirem no objetivo – equidade de gênero, fim do sexismo e da opressão à mulher – discordam quanto aos meios para suprir essas demandas. Enquanto o feminismo marxista, por exemplo, defende que só a luta de classes libertará as mulheres, o feminismo libertário acredita que iniciativas individuais, erradicação do sexismo institucionalizado e políticas públicas eficientes serão mais úteis para a causa. Além disso, essa vertente vê o mercado não como um inimigo, mas como um parceiro na obtenção de uma sociedade mais justa para as mulheres.

O feminismo libertário, também chamado de individualista, foi a primeira vertente do feminismo. Mary Wollstonecraft na Inglaterra e Olympe de Gourges, guilhotinada na Revolução Francesa, são os principais nomes do período. Defendiam que a mulher era um indivíduo livre e perfeitamente capaz de se autogerir sem a intervenção do pai, do marido ou do estado em suas decisões, e que, portanto, deveria gozar dos mesmos direitos e deveres que eles na sociedade.

Atualmente, as feministas libertárias lutam não só contra o patriarcado, mas contra o próprio feminismo, visto que o último se tornou um clube seleto que fomenta o ódio aos homens e que muitas vezes interfere na liberdade de escolha da mulher. Por isso, a vertente individualista hoje contraria-se à proibição da pornografia e da prostituição como querem as feministas radicais, trabalha arduamente pelo fim do sexismo perpetuado pelo estado e foca principalmente suas forças no mais importante: defender as mulheres contra a violência de gênero.

SFLB: Nas últimas décadas as mulheres tiveram várias conquistas e vem cada vez mais ocupando espaços importantes, muitas vezes antes destinados apenas a homens. Quais os principais desafios para as mulheres no século XXI?

Até os anos 60 no Brasil, as mulheres eram proibidas de comprar, vender e trabalhar sem a autorização do marido; até a década de 30, eram impedidas de votar. Sem dúvidas o progresso foi enorme. A sociedade evoluiu em seus valores e costumes e isso impactou diretamente na vida das mulheres, mas ainda há muito a ser feito.

A desigualdade salarial, os estereótipos de gênero, a dupla jornada e a violência ainda são realidades para boa parte das mulheres no Brasil e no mundo e se afiguram como os principais desafios desse século.

SFLB: A Lei Maria da Penha trata de forma diferente homens e mulheres em busca de resolver problemas da violência doméstica. Como você avalia essa legislação após 10 anos?

Cecília Lopes em palestra em Ribeirão Preto

Cecília Lopes em palestra em Ribeirão Preto

A Lei Maria da Penha, apesar de seus defeitos, teve um papel essencial na compreensão da sociedade quanto à função e aos direitos da mulher. Hoje em dia a violência doméstica não é negligenciada como há décadas atrás.

A lei em si é apenas uma ampliação do que já era previsto no Código Penal, com agravantes quando o crime for cometido contra uma mulher e em ambiente familiar.

No meu entendimento, os grandes pontos positivos dessa lei foram a criação de uma delegacia especializada para esse tipo de delito, na qual as vítimas encontram suporte psicológico e acolhimento, e o fato da pena não mais poder ser revertida em multa, acabando com o sentimento de impunidade.

Todavia, segregar os homens, que apesar de serem vítimas minoritárias também estão sujeitos à violência doméstica, apenas aprofunda o sexismo e é sem dúvidas um ponto negativo da lei que deve ser revisto.

SFLB: A que se deve, na sua opinião, o gender gap no movimento liberal brasileiro? Como podemos melhorar a participação feminina?

Alguns liberais atribuem a ausência feminina no movimento ao suposto sentimentalismo das mulheres, fazendo com que caiam no discurso fácil e emotivo da esquerda. Não poderiam estar mais enganados.

O gender gap não é exclusividade do movimento liberal. Na verdade, em todos os meios ideológicos e na política é possível encontrar esse problema. O fato é que as mulheres foram por séculos privadas de exercer seus direitos políticos e excluídas do debate de ideias, o que indiscutivelmente deixou cicatrizes que vemos até hoje. O problema é ainda mais grave no meio liberal porque, ao contrário do que ocorre na esquerda, há um certo receio em abordar pautas aprazíveis às mulheres. Falar de machismo, por exemplo, é quase um crime.

Além disso, não são raras as demonstrações de desrespeito às mulheres em fóruns e grupos pró-liberdade na internet; o tratamento diferenciado, seja idolatrando ou ofendendo, é latente.

Precisamos mostrar urgentemente que a defesa da dignidade da mulher não é monopólio da esquerda, ter coragem de debater e propor soluções para as demandas femininas e adotar posturas mais respeitosas para com os indivíduos do sexo oposto. Só assim tornaremos o liberalismo mais atrativo às mulheres e deixaremos de pisar no legado de tantas que ao longo dos séculos lutaram por uma sociedade mais justa e livre para todos.

SFLB: O que você preparou para seu painel na LibertyCon Brasil 2017?

Meu painel na LibertyCon vai ser uma rodada de perguntas respostas sobre o feminismo individualista, no qual vou tentar ao máximo desmistificar alguns conceitos e tirar as dúvidas que o pessoal apresentar. Será sensacional!

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Esta entrevista não necessariamente representa a opinião do Students For Liberty Brasil (SFLB). O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected].

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