André de Holanda | 26 de julho, 2017
[Artigo originalmente publicado em 1º de setembro, 2013]
Ninguém tem interesses (e gostos, e paixões) inteiramente idênticos aos de outra pessoa, nem aprende da mesma forma. As duas afirmações, que se completam, simples e intuitivas, expressam convicções antigas. De fato, são bastante antigas – muito mais do que os sistemas de escolarização em massa nacionais, que, contudo, tornaram-se um imperativo institucional no último século. Um modelo de ensino para todos foi, por razões que não caberá tratar aqui, o questionável princípio que dominou por décadas a educação escolar, compulsória em grande parte dos países no mundo. Felizmente, embora de forma gradual, ele está sendo desafiado.
A ampliação do acesso à informação via internet, mudanças no mercado de trabalho, e contumazes problemas institucionais nos sistemas de ensino (como acontece com o brasileiro) estão aos poucos fazendo com que as escolas precisem buscar novas justificativas e novas abordagens de educação. Aprendizado baseado em jogos, em projetos, ensino híbrido, adaptativo, flipped classrooms, edtech, MOOCs (sigla inglesa para Massive Open Online Courses) são algumas das expressões que integraram o novo vocabulário da educação na última década.
Sugata Mitra, professor de tecnologia educacional da Universidade de Newcastle e vencedor do TED Prize deste ano, defende que as escolas estão obsoletas. Ele acredita que as crianças são capazes de aprenderem umas com as outras (e com pouca ou nenhuma mediação adulta), se motivadas pela curiosidade e pelo incentivo dos colegas. A descoberta da “aprendizagem natural” aconteceu, por acaso, pelo experimento (e posteriormente projeto de pesquisa) que chamou de Buraco na Parede. “Se você permitir que o processo educacional se auto-organize, o aprendizado surge”, disse o educador indiano em sua apresentação no TED 2013. Mitra propõe a criação de Ambientes de Aprendizado Auto-Organizados (AAAO), que combinem internet banda larga, colaboração e incentivo. O aprendizado derrubou de uma vez os muros da escola, está “na nuvem” e pode acontecer em casa, na escola, fora dela e em clubes.
Algumas instituições parecem antecipar as previsões e projetos de Sugata Mitra. No Brasil, a Escola Projeto Âncora não tem séries, turmas, aulas expositivas, nem provas. E o que a torna mais interessante: não cobra nada dos pais dos alunos, que devem ter renda familiar de até três salários mínimos. A escola atende a crianças de 6 a 10 anos, que estudam juntos e aprendem por meio de projetos de pesquisa, escolhidos de acordo com seus gostos e interesses. Os professores tornaram-se orientadores dos estudantes. José Pacheco, educador português idealizador da Escola da Ponte, em Portugal, e consultor do Projeto Âncora desde 2011, diz que o objetivo é criar comunidades de aprendizagem colaborativa. No Brasil, há dezenas de escolas estudando a adoção de modelos semelhantes de educação, como já o fizeram a Escola Politeia, a CIEJA Campo Limpo e a Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, as três em São Paulo.
No limite, a discordância em relação ao ensino convencional tem levado pais a tirarem seus filhos da escola – ou a nem mesmo matriculá-los em uma. No Brasil, a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) estima que cerca de mil pais eduquem os filhos em casa – à margem da lei, que não admite a escolha. Nos Estados Unidos, a home education é aceita em todos os estados, e calcula-se que mais de dois milhões de estudantes estejam aprendendo seguindo abordagens “domiciliares” de educação, em geral, mais personalizadas e baratas do que a escola convencional.
A mesma crença de que o sistema formal de ensino não dá mais conta do recado fez com que Dale Stephens, que estudou fora da escola desde os 12 anos, criasse, em 2011, o movimento UnCollege. O jovem empreendedor que foi um dos primeiros Thiel Fellows defende que é possível aprender e ser bem-sucedido sendo um “hackademic”, estudando e se aperfeiçoando fora da universidade, especialmente para as ocupações que não exigem certificação formal. Segundo a Sparks & Honey, empresa que analisa tendências de mercado e cultura, o conselheiro de “unschooling” – tipo de educação não escolar que abdica de seguir currículos e programas de ensino pré-definidos – será uma das novas profissões disponíveis no mercado em 2025.
As iniciativas citadas acima indicam algumas das principais tendências da educação nas próximas décadas. O futuro parece bastante promissor: alternativas mais personalizadas, mais flexíveis e autônomas de educação criarão um ambiente salutar de diversidade de opções de aprendizado. A lei educacional brasileira, que certamente tem problemas, admite uma margem de autonomia escolar que pode ser bem aproveitada. Fora da escola, contudo, deve abrir espaço para novas experiências como as descritas acima, que propõem que o mundo seja a nossa escola. Nele, talvez os maiores “ganhadores” sejam, não sem motivo, as crianças e adolescentes em atual “idade escolar”: afinal, ninguém deve ser obrigado a aprender de uma só forma, nem as mesmas coisas.
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André de Holanda é mestrando em Sociologia na UFMG e autor da pesquisa “Escola? Não, obrigado”: um retrato da homeschooling no Brasil.
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