Celso Assis | 10 de abril de 2017
Com uma infeliz frequência, ouvimos policiais na televisão relatando como ocorreu o crime que estão investigando. No jargão policial, refere-se ao criminoso como “elemento” ou “indivíduo”. Aqui, o indivíduo pode ser qualquer um, sem nome, sem identidade e que não merece ser parte de algo.
Não raras às vezes, acusamos alguém de ser individualista. Esse alguém não se dá ao trabalho de pensar nas outras pessoas, de pensar no coletivo. No Brasil, colocar o coletivo acima do indivíduo significa fazer justiça social, não importa o que aconteça com o indivíduo.
O reconhecido antropólogo Roberto DaMatta escreveu sobre os motivos que levam o brasileiro a querer deixar de ser um simples indivíduo, isto é, mais um na multidão, para se tornar uma pessoa, ou seja, alguém reconhecido pelos demais (humildes indivíduos) como portador de poder. No livro “Carnaval, malandros e heróis” (1997), DaMatta disserta sobre a frase que comumente se usa no Brasil para colocar os indivíduos em seus devidos lugares: “sabe com quem você está falando?”
Quando o juiz é parado em uma blitz, sob a alegação de dirigir rápido demais, o policial não sabe com quem está falando. O motorista faz questão de informar sua posição na sociedade. O juiz dá um “jeitinho” para não sofrer as consequências de seus atos como um mero indivíduo. Logo, o policial é obrigado a liberar o juiz para não se complicar depois.
A distinção entre indivíduo e pessoa tem sido alvo de inúmeros estudos da sociologia, portanto DaMatta resume todas as considerações sobre o assunto, refletindo em sua tese. Para o professor, o indivíduo é “igual aos outros”, “tem escolhas, que são vistas como seus direitos fundamentais”, “uma consciência individual” e “faz as regras no mundo em que vive”. Em outras palavras, o indivíduo é livre, mas não pode escapar das consequências da lei.
A pessoa, por outro lado, é alguém incluído dentro de um todo. Quando eu sei com quem eu estou falando, eu sei que estou falando com o sobrinho do delegado, ou a mulher do prefeito ou mesmo o motorista do presidente da empreiteira. É ser bem relacionado. Sempre existe um jeitinho para deixar de ser um indivíduo no Brasil apenas para não precisar ser uma pessoa comum e pegar filas como todo mundo.
Ser uma pessoa, contudo, significa dançar conforme a dança. Nas palavras de Roberto DaMatta, a pessoa é “presa à totalidade social à qual se vincula de modo necessário”. Ela não tem escolha pois “recebe as regras do mundo onde vive”. Quando eu deixo de ser um indivíduo para ser uma pessoa, eu preciso pensar no coletivo.
Em países com tradição liberal como os Estados Unidos, o “sabe com quem está falando?”se torna “who do you think you are?” (“quem você pensa que é?”). Um exemplo recente que “chocou” o Brasil foi o trabalho de meio-período que Sasha Obama conseguiu em um restaurante. Ser filha do homem mais poderoso do mundo não isentou a jovem de ser igual a todos perante a Constituição americana.
Ser individualista não é ser egoísta ou sociopata. Pode-se ser altruísta sendo individualista. A cultura de coletivismo que se desenvolveu no Brasil graças ao “sabe com quem está falando?”e ao “jeitinho” impedem que as gerações desenvolvam a noção de igualdade e liberdade. Aprende-se que “para tudo tem um jeito, basta falar com fulano”.
Não é à toa que o socialismo é tão popular no Brasil. Pensar na sociedade antes de si mesmo é uma das características dessa vertente que arrasta jovens nas universidades há décadas. Não há liberdade em questionar a quem ajudar e de quem receber a ajuda. Com isso, o Estado, protetor dos pobres e oprimidos, criado pelo coletivo social, torna-se cada vez maior.
Desconstruir a carga negativa do individualismo na mentalidade brasileira deve ser um esforço de todos aqueles que prezam pela liberdade. Se você chegou até aqui e acredita que não deve existir foro privilegiado, imunidade parlamentar, caixa 2, bolsa-empresário ou mesmo tantos impostos, tributos e taxações, então posso afirmar que você acredita que deve existir menos Estado. Havendo menos intervenção estatal na vida dos indivíduos, haverá mais liberdade.
A escritora Ayn Rand disse que “a menor minoria do mundo é o indivíduo”. Ela teve muita propriedade ao declarar isto. Rand imigrou para os EUA em 1925 após sofrer com as decisões do governo soviético para o “bem maior”. A autora do clássico “A Revolta de Atlas” era enfática quanto aos malefícios do coletivismo: “Não há nada que tire a liberdade de um homem do que outros homens. Para ser livre, um homem deve ser livre de seus irmãos”, disse ela.
Não desanime: embora ainda exista muito a ser feito, a liberdade individual está cada vez mais em pauta no Brasil. Mudar nossa cultura coletivista pode ser considerado nadar contra a corrente, porém é possível ver todos os dias no noticiário que saber com quem se está falando tjá não tem trazido tantas vantagens quanto antes.
Acima de tudo, cabe a mim e a você a tarefa de mudarmos nós mesmos nossas atitudes.
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Celso Assis é Coordenador do Students For Liberty Brasil (SFLB).
Este artigo não necessariamente representa a opinião do SFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected] e [email protected]