Mateus Maciel | 03 de março de 2015
Desde a posse do atual presidente da autoridade monetária, Alexandre Tombini, o Banco Central perdeu a autonomia que vinha experimentando, desde o governo FHC. Entretanto, desde seu nascimento em 1964, o BC nunca foi independente. O objetivo desse texto é mostrar, através da história desse órgão, o quão importante é a independência do mesmo para o controle da inflação.
Em 1945, foi criada a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que daria origem ao Banco Central. Vale ressaltar que muitos agentes econômicos eram contra a criação de uma autoridade monetária, principalmente o governo que perderia o controle sobre a impressão de dinheiro. Com isso, este poderia cobrir seus gastos imprimindo mais papel pintado, mesmo que isso significasse mais inflação.
O Banco do Brasil, que antes da criação da Sumoc, funcionava como Banco Central, banco comercial, banco de fomento e agente do Tesouro, acabaria por perder algumas dessas funções. Seus dirigentes, que defendiam interesses de minorias (como banqueiros e industriais que tinha acesso à impressora de dinheiro do BB) acabaram por conseguir com que a Sumoc fosse subordinada ao maior banco do país. Assim, os maiores inimigos da disciplina monetária acabaram por capturar o recém-nascido órgão, reduzindo a sua eficiência.
O próprio modelo de crescimento adotado pelos governos da época, o desenvolvimentismo, não era capaz de sobreviver com a existência de um Banco Central. Como tal modelo é extremamente dependente do aumento dos gastos públicos, é muito mais fácil ser dono da impressora de papel pintado. Tanto que, durante o governo de JK, quando os recursos do BNDE e os empréstimos do FMI acabaram, o presidente solicitou que a impressora fosse ligada. Foi possível, dessa forma, construir Brasília, estradas, as várias Superintendências de Desenvolvimento e etc., mas o custo disso foi mais inflação.
Levou 20 anos para que a Sumoc se transformasse em um Banco Central definitivamente. No congresso, a proposta enfrentou os interesses da bancada corporativista do Banco do Brasil e por isso demorou a ser aprovada. Porém, quando o Banco Central nasceu em 1965 no início do governo do general Castelo Branco, a autoridade monetária não tinha independência. A conta-movimento mantinha um elo perverso entre o BC e o BB e funcionava da seguinte forma:
O Banco do Brasil era um órgão bastante benevolente. Antes, este possuía o poder de criação de moeda, mas com o nascimento do BC, a impressora de papel pintado mudou de mãos. O BB, então, poderia seguir emprestando dinheiro para grandes banqueiros, industriais e vários amigos do rei que iam fazer lobby em Brasília. Para cobrir as despesas do banco estatal, o mesmo solicitava que o BC ligasse a sua impressora. Esse processo de criação de moeda ajudou a fazer com que a inflação crescesse de forma monstruosa.
Outro fator impedia que o Banco Central fosse independente: a organização do Conselho Monetário Nacional (CMN). Tal conselho seria composto por 9 membros: o presidente e 3 diretores do Banco Central, 2 membros do setor privado escolhidos pelo Presidente da República, o Ministro da Fazenda, o presidente do BNDES e do Banco do Brasil. Os ministros do Planejamento e da Indústria e Comércio não tinham voto no conselho, mas poderiam participar das reuniões.
O presidente Costa e Silva, quando assumiu a presidência em 1967, acabou por fazer mudanças no CMN. Quando o mesmo colocou o então Ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto no conselho, o mesmo, por ordem do presidente, informou que todos os integrantes do conselho deveriam renunciar. Com isso, Delfim Netto assumiu o posto de czar da economia brasileira, uma vez que passou a controlar o CMN de acordo com a ideologia estatizante e nacional desenvolvimentista do regime.
O conselho, que deveria ser guardião da moeda, acabou por ser responsável pela concessão de crédito às estatais (principalmente aos bancos públicos) e ao setor privado. Com o tempo, o lobby passou a ser constante no órgão, o que fez com que o número de membros aumentasse. A luta pela impressora do Banco Central passou a ser constante, uma vez que todos queriam um pouco de papel pintado. Essa estrutura ajudou a criar o grande boom de crescimento econômico vivido pelo Brasil, entre 1968 e 1973. Entretanto, as bases desse grande crescimento eram de areia.
No final do regime, já no governo do general Figueiredo, o CMN já possuía 27 membros, sem contar com os que não possuíam voto. Ou seja, o Banco Central foi capturado pela promiscuidade entre o poder público e o setor privado. A independência do órgão regulador significaria o fechamento de uma imensa torneira de dinheiro que jorrava milhões de papéis, em prol dos “interesses nacionais”.
Após a eleição do presidente Sarney, o CMN seguiu com os seus 27 membros, que distribuíam benesses aos que fossem fazer lobby em Brasília. Mesmo com o fracassado Plano Cruzado, entretanto, um passo foi dado em direção à independência: o fim da conta-movimento. Ainda assim, havia muito a ser feito.
Os bancos estaduais e federais, controlados por políticos que utilizam os fundos “infinitos” dessas instituições para cobrir os gastos estaduais, ainda representavam uma ameaça a independência do BC. Isso porque, este, quando uma dessas instituições precisava de recursos ou quebrava, era obrigado a prestar socorro (através de mais impressão de moeda). Com a privatização desses bancos, como BANERJ, Banespa e vários outros, esse problema foi solucionado.
Com a implementação do Plano Real, o Conselho Monetário Nacional deixou de possuir inúmeros membros e lobistas, para dar a lugar a apenas três: Ministro da Fazenda, do Planejamento e presidente do Banco Central. Dessa forma, conselho parou de fornecer crédito aos amigos do rei, para se tornar guardião da estabilidade monetária.
Com a implementação do Plano Real, o BC conseguiu alcançar sua independência, tendo contado com presidentes de destaque, como Gustavo Franco, Armínio Fraga e Gustavo Loyola. Entretanto, quando o ex-ministro Antônio Palocci saiu do Ministério da Fazenda e Guido Mantega assumiu o cargo, houve uma maior pressão para que o BC não fosse independente. O então presidente do BC Henrique Meirelles, contudo, não cedeu as pressões do governo.
Quando o atual presidente Alexandre Tombini assumiu o lugar de Meirelles, passou a haver uma coordenação entre a política monetária e fiscal em prol do aumento de gastos. Isso ficou evidente quando, após a Crise de 2008, o BC reduziu a taxa de juros para 8,75%. Isso possibilitou que os bancos aumentassem a oferta de crédito e a população fosse às compras. Na parte fiscal, o governo reduziu o IPI, flexibilizou a concessão de crédito e elevou os gastos. O PIB cresceu ao nível chinês de 7,5%, em 2010(!), mas a inflação também começou a subir, por conta da expansão monetária.
Alguns economistas não enxergaram tal coordenação como falta de independência do Banco Central, mas sim como resposta à crise que estava assolando os países desenvolvidos. Entretanto, já no governo Dilma, o Banco Central fez uma nova queda (forçada) da taxa de juros para 7,25%, com o objetivo de seguir impulsionando a demanda, para que o crescimento continuasse. Porém, tal estratégia só gerou pibinhos, sem falar que a inflação seguiu aumentando.
Ficou evidente, portanto, que o Banco Central passou a agir de forma coordenada com o Ministério da Fazenda, em prol dos gastos públicos. O governo, com isso, acabou por chutar o tripé macroeconômico que havia sido estabelecido para estabilizar a economia brasileira, no final de década de 1990. Além disso, o mesmo capturou a autoridade monetária, acabando com a sua autonomia (conquistada a duras penas). Ou seja, o órgão regulador que tem o papel de ser guardião da moeda, controlando os efeitos dos gastos do Estado com o aumento da taxa de juros, agora intensifica a política inflacionária do governo.
Levou décadas para que o Banco Central se tornasse independente dos interesses do governo e de empresários. Os efeitos dessa falta de autonomia foram sentidos por inúmeros brasileiros que pagaram a conta pela expansão monetária, que beneficiava grupos específicos em detrimento de uma maioria.
O argumento utilizado era de que o governo estava agindo em prol dos interesses da nação. Curioso é que tal discurso não difere muito do que é proferido pela presidente Dilma, que afirma que o Banco Central, se fosse autônomo, seria capturado pelos bancos privados. Tal afirmação não passa de uma grande hipocrisia por parta da presidenta, que foi quem de fato capturou a autoridade monetária.
Portanto, quando ouvirem alguém defendendo que o Banco Central não deve ser independente, lembrem-se do horror inflacionário pelo qual o Brasil passou nas décadas de 1980 e 1990. Vale ressaltar que a inflação afeta o bolso dos mais pobres que não conseguem poupar o suficiente para investir em um fundo que os proteja da escalada da inflação. Um Banco Central independente é essencial para a estabilidade monetária de qualquer país (uma vez que, infelizmente, temos que conviver com ele).
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