Li boa parte da minuta do novo Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, a ser aprovada pelo Prefeito Haddad (2013-2016). Pela minha avaliação o projeto está em linha com a corrente de “Novo Urbanismo” que existe atualmente, indo no sentido de tentar corrigir normativamente as problemas gerados pelos urbanistas no passado.
Estes, urbanistas modernistas, a corrente de pensamento dominante no século XX, seriam os “laranjas”, os culpados, pois definiram as regras que nossas cidades caóticas de desenvolveram até hoje.
Inspirados em modelos criados por urbanistas como Le Corbusier, que abraçavam a modernidade e o surgimento do carro como tecnologia dominante, moldavam as cidades às tecnologias e às suas concepções de cidade, e não o contrário.
No entanto, a mentalidade sendo usada agora é exatamente a mesma que os Novos Urbanistas criticam: de que descobriram a melhor tecnologia possÃvel para ser implementada na cidade, a ser executada sem permitir desvios ou mudanças nessa estratégia ao longo do tempo.
Praticamente todas as regras do PDE exigem exatamente o inverso de o que era exigido anteriormente: vagas máximas de garagem ao invés de vagas mÃnimas, comércio no térreo onde antes era restrito ao uso residencial, alta densidade onde antes era baixa densidade, ciclovia e faixas de ônibus onde antes andavam carros.
Mas o grande fracasso dos urbanistas modernistas não foi ter optado por uma tecnologia ruim: havia consenso no meio técnico da época de que o carro era a melhor tecnologia possÃvel. O erro, na verdade, foi criar um sistema extremamente rÃgido, que não tem capacidade de adaptação, e que essa tecnologia perduraria ad eternum.
Todos concordamos que a cidade foi incentivada demais a favor do carro, sendo um erro de avaliar qual o “ponto ótimo” de sua utilização sob a ótica dos planejadores.
No entanto, os planejadores atuais também não tem como saber qual o ponto ótimo da utilização da bicicleta ou do ônibus, por exemplo, modais favorecidos no novo PDE, já que seria exagerado demandar uma cidade sem absolutamente nenhum automóvel individual.
O planejador também não tem capacidade de saber quais bairros espontaneamente geram vocação para apenas um determinado uso, seja comercial ou residencial, e agora impõem a mistura de usos nas regiões que eles acham pertinente, de cima para baixo.
Estes urbanistas superestimam sua capacidade de controlar o ambiente complexo que é o meio urbano, e certamente gerarão distorções futuras com a tecnologia que hoje é considerada “de ponta” e que são estabelecidas hoje como “corretas”, conceitos que que podem mudar em um curto perÃodo de tempo, assim como sofreu o reinado do automóvel.
Assim, a minuta, por ser normativa demais (possui 86 páginas e ainda sugere a criação de um Plano de Mobilidade Urbana) acaba não abrindo espaço para transformações tecnológicas, ambientais e sociais que veremos nos próximos anos.
O plano não endereça, por exemplo, o crescente uso de aplicativos eletrônicos que permitem que cidadãos compartilhem caronas e participem do sistema de transporte, como Lyft e Sidecar dos EUA ou o Socar de Seoul, que em breve chegarão ao Brasil e provavelmente serão proibidos pela legislação local.
A novaeconomia colaborativa está rapidamente transformando a nossa sociedade e como os recursos são distribuÃdos, onde a propriedade privada restrita começa a se confundir com uma propriedade de livre acesso, e carros individuais se tornam agentes eficazes de transporte coletivo.
Também veremos dentro de poucos anos a adaptação de cidades aos carros autônomos, veÃculos que, sem motorista, se tornam verdadeiros ambientes móveis, possibilitando até mesmo um layout interno em formato de sala de estar ou de reuniões.
A transformação dos carros também é ecológica, já que fontes de energia limpa estão cada vez mais atraentes por causa do aumento do preço do petróleo, e a consciência e o enriquecimento dos consumidores está levando-os a pagarem um prêmio para carros não poluentes.
O crescimento da população idosa no Brasil também cria preocupação caso haja um incentivo pesado demais para o uso de bicicletas e transporte coletivo, por exemplo, já que estas pessoas vão depender de veÃculos mais personalizados e cuidadosos para seu transporte seguro.
A situação piora se são previstas cada vez mais temperaturas e condições temporais extremas: com mudanças climáticas que são aparentemente irreversÃveis certamente não poderemos depender apenas de transporte a pé e cicloviário, algo que é extremamente positivo hoje mas pode ser um sacrifÃcio no futuro.
Sabemos que hoje estamos dependentes do carro, mas se levamos mais de 50 anos para mudar a tendência atual quantas décadas levaremos para trocar a legislação que está sendo implementada agora?
A manutenção do monopólio de gestão sobre o sistema de transporte coletivo em uma cidade na escala como São Paulo é outra prova de que o técnico do Novo Urbanismo pensa da mesma forma que o urbanista corbusiano.
Ao invés de descentralizar a gestão do transporte, permitindo o surgimento de novos modais de transporte coletivo, maior capilaridade e inovação no sistema, a Prefeitura está construindo 147km de corredores de ônibus a um custo federal de R$1,5 bilhões (cifra que aposto que aumentará até o término das obras).
A ideia de desenvolver o transporte necessariamente via investimentos públicos em um grande plano centralizado perdura até hoje, e difere dos planos modernistas apenas no tipo de veÃculo sendo subsidiado.
Em um futuro próximo podemos ter um sistema onde carros autônomos são os veÃculos predominantes, públicos no sentido de uso, privados no sentido de gestão – sem uso de recursos públicos – totalmente ecológicos, sendo recarregados com a energia gerada por fachadas fotovoltaicas de prédios que abastecem o grid de energia da cidade.
Estes carros podem ser chamados instantaneamente através do seu telefone (se é que ainda podemos chamar =de telefone), e inclusive ser usados como uma sala de reunião móvel, já que não possui motorista e seu layout interno tem as poltronas viradas para o centro.
Sendo autônomos e limpos, eles podem ficar constantemente circulando as ruas em busca de passageiros, como se a rua fosse um metrô de superfÃcie pulverizado, com cabines de acordo com cada passageiro, células de transporte em um organismo vivo de trânsito.
Tudo isso, ainda, a preços baixos, se for permitido um cenário competitivo em uma cidade que tem capacidade de absorver tecnologia que se desenvolve exponencialmente com preços caindo e tendendo a zero. Isso é certamente possÃvel dentro de 10 anos em uma cidade com poucas barreiras à inovação, pois nada disso é novo: a tecnologia já existe.
Isso é apenas um cenário possÃvel que desenvolvi nesta postagem, mas infinitos outros são possÃveis que estão fora do meu radar – ou de qualquer outro urbanista.
Mas nada disso é possÃvel com a legislação controladora e restritiva que propõe a minuta do PDE.
Se as regras fossem poucas e simples, sem uma direção restritiva dos planejadores, conseguiremos permitir a adaptação ao tempo que uma cidade como São Paulo precisa.
Este artigo não necessariamente representa a opinião do Students For Liberty Brasil (SFLB). O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma mirÃade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected].